A França não é só o berço da civilização e bastião do ideário iluminista rejeitado pelos jihadistas. É também um dos países mais vulneráveis da Europa

Atacar a França é simbólico. Tão simbólico quanto atacar os Estados Unidos. Mas hoje, atacar os Estados Unidos é quase impossível. Por mais duras que sejam as críticas ao estado de vigilância perene do país – e à invasão de privacidade quase pornográfica de seus cidadãos por serviços de espionagem – é esse sistema amoral que mantém a segurança do país desde os ataques de 11 de setembro de 2001. Na Europa, o mesmo acontece com o Reino Unido, um país rico, que gasta bilhões em vigilância e inteligência desde que foi alvo de atentados terroristas, em julho de 2005.

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Com a França, a história é outra. Semanas depois do atentado à redação do semanário Charlie Hebdô, que deixou 12 pessoas mortas, a França prometeu investir mais de 750 milhões de euros em Inteligência. Apenas uma parcela disso foi investido de fato. Antes dos atentado, o governo francês investia menos da metade desses recursos em Inteligência. Há menos de dois meses, relatórios da inteligência francesa alertaram o governo com relatos de que o grupo pretendia levar a cabo ataques em países da Europa ocidental – principalmente na França, se utilizando de militantes e simpatizantes do grupo baseados no país. Entre janeiro e abril, as autoridades francesas impediram pelo menos 5 ataques em território nacional. “A ameaça nunca esteve tão alta. Nós nunca enfrentamos esse tipo de terrorismo em nossa história”, disse então o primeiro-ministro francês Manuel Valls. A confirmção da frase de Valls está no terror em Paris no dia 13 de novembro.

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Em outubro, em entrevista à revista francesa Paris Match, o juiz Marc Trévidic, um dos principais juristas no combate antiterrorismo no país anunciou: “A ameaça está em um nível máximo, como nunca se viu antes”. De acordo com Trévidic, a nação francesa figurava como o alvo perfeito. “A França é o principal alvo de um exército de terroristas aos meios ilimitados. É claro que são particularmente vulneráveis por causa da nossa posição geográfica, facilidade de entrada em nosso território para todos os jihadistas de origem europeia” afirmou.

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À fragilidade de sua segurança alia-se o fato de a França ser a imagem mais bem-acabada do Ocidente que os radicais islâmicos tanto detestam. “A França representa os valores eternos do progresso humano”, afirmou o presidente americano Barack Obama em um discurso, logo depois dos ataques. Paris é o berço da civilização ocidental, e lumiar dos princípios republicanos e iluministas.

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Não bastasse tudo isso, desde que foi alvo dos ataques dos lobos solitários do Estado Islâmico, em janeiro deste ano, a França entrou de cabeça na guerra contra o Estado Islâmico. Entrou na coalizão de países que combate o EI no final do ano passado, mas só começou a fazer bombardeios aéreos contra os islamitas na Síria no dia 27 de setembro deste ano. Até então, a França só havia atacado alvos no Iraque –e, mesmo assim, respondiam por apenas 3% do total de bombardeios da coalizão contra os islamitas. Desde então, foram ao menos uma dezena de bombardeios. No fim de setembro, caças franceses destruíram um centro de treinamento do EI no leste da Síria. Quatro dias atrás, caças franceses destruíram um centro de distribuição de petróleo do Estado Islâmico na Síria, perto da cidade de Deir Ezzor, uma das mais importantes fontes de renda do grupo.

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Não é apenas o Ei que está na mira francesa há algum tempo. A França se engajou de forma mais intensa no combate a grupos terroristas na África em julho do ano passado, com o início da operação Barkhane. O país enviou 3 mil tropas para operações de contraterrorismo na região conhecida como Sahel. Os países cobertos pela operação – Burkina Faso, Chad, Mali, Mauritania e Niger – viveram na última década a ascensão de grupos radicais islâmicos como Al Qaeda no Magreb Islâmico, Boko Haram e outros. Em julho, 20 militantes islâmicos, alguns com cidadania francesa, suspeitos de planejarem um ataque foram detidos no Mali. Em abril, um refém holandês, sequestrado por militantes da Al Qaeda, foi resgatado por tropas francesas também no Mali. Em maio, um ataque noturno da forças especiais francesas no norte do Mali matou quatro militantes da Al Qaeda, sendo dois altos comandantes do grupo: Amada Ag Hama e Ibrahim Ag Inawalen. Ag Hama era apontado pelo governo francês como o responsável pela morte de Ghislaine Dupont e Claude Verlon, jornalistas da RFI sequestrados e assassinados em 2013.

Por enquanto, nenhum grupo reinvindicou a autoria dos ataques, mas o grau de barbaridade e selvageria é muito parecido com o estilo do Estado Islâmico. A rede terrorista al-Qaeda rompeu com o grupo, por considerar suas táticas excessivamente agressivas. Conforme avançam na conquista de territórios para formar seu califado em territórios da Síria e do Iraque, os jihadistas do EI atacam a população civil, evisceram os capturados, estupram mulheres e crucificam vivos os adversários. Em suas ações no exterior o grupo não se mostrou menos selvagem, fuzilando pessoas e decapitando vítimas.

O surpreendente nos ataques de PAris desta vez é o nível de coordenação dos ataques. Algo similar foi visto na Europa pela última vez em 7 de julho de 2005, quando quatro atentados suicidas coordenados em três estações de metrô e ônibus em Londres deixam 56 mortos e 700 feridos. Os ataques foram reivindicados pela Al-Qaeda. Essa seria uma mudança radical no estilo do Estado Islâmico. Até o momento, o EI promoveu principalmente ataques a mesquitas, prédios de instituições e vários ataques a bala em países árabes, além de incursões como a do Charlie Hebdô.

Há pelos menos dois meses, no entanto, o alto escalão da Inteligência americana alertava para o perigo de o Estado Islâmico estar se preparando para para possíveis ataques em massa. O grupo estaria estudando a mudança de foco em ataques de lobos solitários em outros países para organizar atentados de grande impacto, a exemplo da al-Qaeda. “Acredito que estejam utilizando muitos dos recrutas que não têm tempo para treinar e os utilizando para criar um tipo de atentado em massa que produza atenção midiática”, afirmou em agosto o tenente-general Mark Hertling, da CIA. Estima-se que 20 mil a 30 mil estrangeiros combatem na Síria e no Iraque pelo EI. Muitos deles, com cidadania europeia, tem facilidade para entrar e sair do continente.

O ataque em Paris acontece algumas semanas depois de um avião russo cair na região do Sinai, no Egito, matando os 224 ocupantes. A Rússia de Vladimir Putin entrou de cabeça na guerra civil da Síria para defender o regime de Assad, contra quem o EI luta, e bombardeando militantes do grupo jihadista. Um grupo ligado ao EI assumiu a autoria do atentado. Apesar dos governos egípcio e russo negarem que se trata de um atentado, os serviços de inteligência britânico e americano dizem ter “fortes indícios” de que uma bomba explodiu. Na quinta-feira passada, dia 12, um atentado perpetrado pelo EI em Beirute matou 43 pessoas. “Se os atentados em Paris, e também os do Egito e do Líbano tiverem sido coordenados pelo Estado Islâmico, isso representa uma mudança tectônica na estratégia global do grupo”, afirma Will McCants, uma das principais autoridades americanas no Estados Islâmico, diretor do Brookings Institution, e autor do livro The ISIS Apocalypse (O Apocalipse do Estado Islâmico). E se for uma mudança de estratégia, como cada vez mais parece ser, o mundo estará mais inseguro do que jamais esteve.

Fonte: ÉPOCA

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