Um projeto de lei que tramita na Assembleia Legislativa de Goiás prevê a criação de uma lista para divulgar o nome e a foto de pessoas condenadas por violência contra mulheres. O objetivo, afirma a proposta, é que mulheres que estão começando relacionamentos consigam ver se a pessoa tem um histórico de agressão, diminuindo, assim, a chance de acontecerem novos casos. A medida, entretanto, gera incertezas para alguns setores que defendem os direitos da mulher.
Segundo o Atlas da Violência, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, entre 2006 e 2016 houve um crescimento de 66% no número de homicídios de mulheres em Goiás. O estado ficou na terceira colocação entre as unidades da federação em mortes por 100 mil habitantes em 2016.
De autoria do deputado estadual Bruno Peixoto (MDB), o projeto permitiria que qualquer cidadão pudesse ter acesso à lista. O nome da pessoa constaria, junto com sua foto, a partir do momento de sua condenação sem mais possibilidade de recursos, conhecido como trânsito em julgado, até o fim do cumprimento da pena.
“É um projeto inovador e que vai servir de exemplo para o restante do país. Muitas mulheres conhecem um homem na internet, por exemplo, e não sabem do histórico dele. Muitas vezes ele usa nome falso, então, com essa lista, vai ser fácil a mulher identificar a pessoa e saber que ela foi condenada”, esclareceu o deputado.
Com isso, caso a pessoa esteja foragida da Justiça, também será possível a mulher denunciar à polícia.
O deputado acredita ainda que o projeto não expõe a vítima e nem causa humilhações aos condenados.
“As pessoas que convivem com aquela mulher vítima de agressões já sabem da violência que ela sofre. Divulgar a foto do agressor não é o que vai expô-la. E, quando se tem a condenação transitado em julgado, a sentença fica pública, então qualquer um já teria acesso ao nome do condenado”, explicou Peixoto.
O juiz titular do Juizado de Violência Doméstica contra a Mulher, Vitor Umbelino Soares Júnior, disse que, em sua opinião, o projeto pode ser considerado inconstitucional.
“Não são todos os casos em trânsito em julgado que se tornam público e é possível ter acesso ao nome do agressor. Além disso, pode ferir princípios constitucionais, como a inviolabilidade à vida privada e à imagem. Não é porque a pessoa está presa que ela não tem mais esses direitos”, explicou.
O juiz disse ainda que entende que o projeto apresentado é de boa intenção, mas preocupa com as exposições dos envolvidos. “Divulgando o nome e foto do agressor, as pessoas vão saber que ele se relacionava com uma mulher e ai vão saber que ela sofreu violência, e as vítimas não querem isso. Além disso, o STF [Supremo Tribunal Federal] já deu pareceres com o entendimento que a exposição efetiva da imagem de presos viola a dignidade”, completou.
A medida também é vista com ressalva pela titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher. “Isso expõe mais a mulher do que o agressor. Em um primeiro momento, não sei se seria uma proposta que seja efetiva. Pela minha experiência, tenho certeza que se fosse perguntado para as vítimas de agressão, muitas delas não concordariam”, disse a delegada Ana Elisa Gomes.
Ela explica ainda que pode haver problemas com relação à divulgação da foto do agressor. “A imagem é da pessoa, não do Estado”, pontuou.
Por fim, a delegada acredita que essa medida poderia funcionar muito mais com os chamados “agressores sexuais desconhecidos”, como estupradores e pedófilos, por exemplo.
A procuradora do Estado Carla von Bentzen acredita que o projeto não fere nenhum artigo da Constituição, mas também tem dúvidas de sua efetividade. “É muito raro esses agressores, na internet, usarem nomes verdadeiros, então seria difícil montar essa lista. O mais interessante para diminuir casos de agressões é desenvolver ações com os próprios agressores, como grupos reflexivos”.
“Expor não gera redução. Pode expor é a vítima e, aí, causar o efeito inverso, pois alguma mulheres não vão querer fazer a denúncia”, disse.
Segundo a procuradora, criadora do movimento Menos Rótulo e Mais Respeito, que tenta diminuir o assédio e machismo nos locais de trabalho, com essa exposição da vítima, o projeto pode ser questionado.
“Tem que se criar mais casas de apoio às mulheres, ter mais delegacias especializadas para as mulheres, aumentar as políticas públicas. Em grupos de reflexão, por exemplo, a taxa de reincidência é quase nula”, pontuou.
A Secretaria de Segurança Pública disse, por meio de sua assessoria, que não vai comentar o projeto do deputado estadual no momento.
Atualmente, o projeto está na Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Assembleia. Ainda não há uma data para que ele seja votado em plenário.
Fonte: G1