A única pessoa que entendeu quem era John Rambo foi seu criador, o escritor David Morrell. O protagonista do livro First Blood, lançado em 1972, era um veterano da Guerra do Vietnã que, ao voltar para casa, depara-se com uma sociedade envergonhada de sua participação no conflito. Seu tratamento indigno escala em violência e culmina com sua morte, cumprindo sua função dramática em mostrar as consequências de um conflito puramente político não só em um homem, mas também em toda uma nação. Em sua versão para o cinema, lançada uma década depois, o astro Sylvester Stallone enxergou no personagem um tipo diferente de herói, que transformava frustração em fúria, e alterou seu destino. Rambo tornou-se, então, um ícone e um produto. Ajudou a definir todo um gênero nos anos seguintes e, para o bem ou para o mal, manteve-se fiel à personalidade traçada originalmente por seu criador.
Justamente por isso é de se estranhar que o novo Rambo: Até o Fim traga tão pouco da personalidade erguida ao longo de décadas para o herói. Stallone, ao lado do diretor Adrian Grunberg (veterano dos bastidores do cinema de ação, que estreou como diretor no decente Plano de Fuga, com Mel Gibson), passaram uma borracha em todo o desenvolvimento do personagem ao longo de décadas, optando pelo thriller de vingança genérico. Se Rambo era obrigado a usar suas habilidades somente após evitar qualquer conflito, aqui ele é literalmente o gatilho para a violência. Stallone praticamente encarna Liam Neeson em Busca Implacável em uma trama que o leva além da fronteira, enfrentando traficantes de escravas sexuais em um México irreal, que só existe na cabeça daqueles que enxergam mexicanos como estupradores e criminosos em potencial, o tipo de estereótipo que parece deslocado em pleno século 21. É bem verdade que Rambo nunca teve um vilão à altura, enfrentando a partir do segundo filme versões simplistas de russos ou asiáticos malvados. Mas a coisa aqui é surreal de tão mal escrita e mal resolvida. Sem saber o que fazer com um protagonista tão anacrônico, restou a Stallone e cia. caprichar na ultra violência quase cartunesca, única forma de manter o que restou dos fãs do herói minimamente entretidos.
Uma década depois de voltar para a América depois de mais uma vez bancar o exército de um homem só em Rambo 4 (que o próprio Stallone dirigiu em 2008), o veterano toca uma fazenda de criação de cavalos, além de servir de pai postiço de uma adolescente, Gabrielle (Yvette Monreal). Ela, porém, insiste em ir ao México encarar seu pai de verdade, que a abandonou depois que sua mãe morreu de câncer. “Eu preciso”, insiste, às lágrimas, no maior clichê possível. Mas o México de Até o Fim é uma terra de ninguém, e a jovem termina vítima de um cartel de traficantes, que trata mulheres como escravas sexuais, vendidas em um prostíbulo barato. Não existe, claro, nenhum personagem de verdade em Até o Fim, só rascunhos de gente malvada que vão sofrer a ira de Rambo. Pagando as contas está Paz Vega, que entra em cena como uma jornalista que perde a irmã para o mesmo grupo, e sai de cena sem maiores explicações. A coisa só esquenta mesmo no terceiro ato, quando o filme se torna uma versão com violência de desenho animado de Esqueceram de Mim, com os bandidos invadindo a fazendo de Stallone e encontrando nela uma grande armadilha. Macaulay Culkin estaria orgulhoso.
É um fim preguiçoso para um personagem que inventou um gênero. E não o “exército de um homem só”, e sim o revisionismo histórico emoldurado por pirotecnia jingoísta. A Guerra do Vietnã foi encerrada em 30 de abril de 1975, quando os últimos soldados americanos deixaram, derrotados, a capital Saigon. Menos de uma década depois, o veterano John Rambo detonou uma cidadezinha americana ao ser tratado como lixo pelo “sistema”. Era o modo de o americano médio encarar a derrota, mostrando não o veterano que não se ajustava ao voltar para a “civilização”, e sim essa mesma civilização virando as costas para quem lutara em seu nome. Encarar o conflito com uma mistura de melancolia e tintas heroicas inspirou outros filmes que, ao voltar sua atenção para um conflito em que o país levara uma surra, enxergava a oportunidade de lustrar o orgulho patriota ferido. Rambo: Programado Para Matar, dirigido por Ted Kotcheff em 1982, representava um conflito que a América só queria varrer para debaixo do tapete. Quando Rambo II: A Missão chegou aos cinemas em 1985 para se tornar uma das maiores bilheterias do ano, perdendo a medalha de ouro para De Volta Para o Futuro, ele foi transformado em supersoldado, capaz de reescrever a história ao resgatar prisioneiros de guerra sozinho, empilhando corpos e criando um ícone.
Rambo: Programado Para Matar é seu único filme decente de verdade
A essa altura, qualquer subtexto político insinuado por David Morrell em seu livro, e traduzido com habilidade por Ted Kotcheff em seu filme, havia sido diluído em músculos, violência e super heroísmo para adolescentes. O próprio Kotcheff tentou dar alguma dignidade ao tema com o drama De Volta Para o Inferno, em que ele dirigiu Gene Hackman tentando resgatar o filho na selva do Laos em 1983, mas o público já estava seduzido pela fórmula da ação acelerada de Rambo II, consolidada no mesmo ano de seu lançamento por Comando Para Matar, em que Arnold Schwarzenegger moia um exército inteiro em uma republiqueta de bananas fictícia para resgatar a filha. Quando Rambo III chegou aos cinemas em 1989, trocando o inferno verde do Vietnã pelo deserto árido do Afeganistão, o personagem já não tinha absolutamente mais nada a dizer, tornando-se condutor para o pior que o cinema de ação produziu: personagens sem nenhuma nuance (russos malvados e nada mais), sequências nada memoráveis e um Stallone inchado, músculos como molas, para o deleite dos crossfiteiros de plantão.
Os anos 90 apresentaram um Sylvester Stallone tentando se reinventar, emplacando até uma cota de filmes decentes como Risco Total e O Demolidor (ambos de 1993), Daylight (1996) e CopLand (1997). O novo século, porém, viu o astro desaparecer em bobagens que às vezes sequer ganhavam lançamento nos cinemas. Rocky Balboa, de 2006, mudou o jogo, reacendendo seu talento como contador de histórias. Até a série Os Mercenários, que propositalmente abraça todos os clichês do cinema de ação, tem seus momentos de diversão. A decisão de trazer John Rambo de volta, porém, foi um salto para trás, uma tentativa de ressignificar um personagem que há muito havia cumprido seu propósito, Se a ideia era mimetizar os temas e o clima de Logan, faltou um diretor decente com uma visão narrativa clara. Rambo foi criado como um comentário trágico sobre as consequências da guerra em um indivíduo. Em Até o Fim, restou apenas a tragédia.
Roberto Sadovski 19/09/2019 06h27
Boa noite meu caro Roberto.
Discordo de alguns quesitos.
Primeiro que a saga RAMBO nunca teve um vilão especifico. (Todos inimigos de cada filme, eram vilões)
A Trilogia Mercenários por exemplo sim, mas estamos falando de RAMBO.
Quanto aos filmes dos anos 90, é importante ressaltar não esquecer de citar grandes títulos que tiveram muito sucesso como: O ESPECIALISTA (Sharon Stone), ASSASSINOS (Antônio Bandeiras), O JUIZ (Max von Sydow, Rob Schneider)
Discordo o ator imitar Busca Implacável (Liam Neelson), só pelo fato de viverem no mesmo cenário.
Pois qualquer ator que interprete uma situação semelhante contra um cartel de drogas, seja no México, Bolívia etc. o efeito seria o mesmo no caso de matar um dos vilões (Irmãos Martinez). É obvio que o cartel viria atrás.
Assim como no papel de atores que tem sede de justiça como RAMBO e Liam Neeson, também iriam atrás das pessoas queridas.
E é logico que em relação as armadilhas (a parte que mais me impressiona) pois desde o RAMBO 1, 2 ,3 4 Stallone usa de todo o conhecimento de guerra e experiência e estratégia para com os inimigos!
Para mim o filme só mudou a época em que estamos em relação as anteriores que eram assuntos de guerra.
O que poderia melhorar um pouco na identidade visual seria mesmo que grisalhos fossem no caso os cabelos mais cumpridos, e manter um pouco de roupas de Ex combatente e tirar um pouco daquelas camisas xadrezadas flaneladas compridas com outras por baixo. O visual impactaria um pouco mais. Mesmo que seja na época atual. O único quesito que ficou um pouco mais próximo, foi o coturno com a calça preta no confronto final.