RIO — O assessor parlamentar Wilson Musauer Júnior, lotado no gabinete do senador Romário (PSB-RJ), é réu na 2ª Vara Criminal de Guapimirim, na Baixada Fluminense, sob a acusação de homicídio qualificado, ocultação de cadáver e formação de quadrilha.
De acordo com o processo, ao qual O GLOBO teve acesso, Musauer e um comparsa espancaram e usaram cordas para enforcar, até a morte, quatro homens que prestavam serviços para a quadrilha comandada pelo bicheiro Waldemar Paes Garcia, o Maninho, assassinado em setembro de 2004. Segundo o Ministério Público, os líderes do bando desconfiavam que as vítimas, que eram responsáveis por coletar o dinheiro das máquinas de caça-níquel do bicheiro em Pilares, Zona Norte do Rio, estavam desviando parte do montante.
Um dos assessores mais próximos do senador, Musauer — a quem Romário chama de Wilsinho — recebe um salário de R$ 18,9 mil no Senado e dá expediente no escritório mantido pelo senador na Barra da Tijuca, na Zona Oeste. O acusado também é o secretário de Finanças do PSB no Rio, indicado por Romário, presidente do diretório estadual do partido.
A convivência entre os dois vem de longa data. Musauer exerceu as funções de segurança e motorista de Romário quando ele era jogador. O acusado também trabalhou no Café do Gol, boate e restaurante que o senador manteve na Barra, entre o fim dos anos 1990 e o início dos anos 2000, e foi funcionário de Romário na Câmara dos Deputados.
CRIME PREMEDITADO
Na tarde do dia 4 de fevereiro de 2004, Elton Figueiredo, Adílson Motta e Paulo Cézar Gomes receberam uma ordem de Pedro Paulo Fernandes, o Pedro Fu, gerente da quadrilha de Maninho e outro réu do processo: deveriam ir ao haras Fazenda Modelo, propriedade do bicheiro em Guapimirim, buscar máquinas de caça-níquel e levá-las a Pilares. Os funcionários contrataram Maurício Alves, que tinha uma Kombi e já fizera serviços de frete para o grupo.
De acordo com a investigação, a ordem fazia parte de uma emboscada. Segundo o Ministério Público, Elton, Adílson e Paulo Cézar foram algemados assim que chegaram ao haras. Levaram socos e pontapés de Musauer, Pedro Fu e de José Luiz de Barros Lopes, o Zé Personal, figura importante na quadrilha até ser assassinado, em setembro de 2011. Ainda de acordo com a denúncia oferecida pelo MP à Justiça, Zé Personal ordenou que os quatro fossem mortos — inclusive Maurício, que assistia à cena e foi executado para que não servisse posteriormente como testemunha do crime.
A investigação aponta que Musauer e Leandro Henrique do Espírito Santo, outro segurança da quadrilha, morto em 2010, foram os responsáveis pelos assassinatos: “As quatro vítimas foram enforcadas pelo denunciado Wilson e por Leandro mediante a utilização de corda para a constrição física da musculatura do pescoço, causa eficiente de suas mortes”, assinalou o MP.
Musauer e o comparsa são acusados ainda de terem ateado fogo aos quatro corpos em seguida. Uma perícia realizada em 2008, quatro anos após os supostos crimes, encontrou uma ossada no local. O GLOBO não encontrou no processo o resultado do exame de DNA referente ao caso.
No inquérito que serviu de base à denúncia do MP, o delegado Milton Olivier também não demonstrou dúvidas quanto aos participantes: “O que temos demonstrado nestes autos é que Pedro Paulo, Zé Personal, Júlio e Wilson Musauer, reunidos de forma estável e permanente para a prática dos crimes descritos, sequestraram, torturaram e participaram da morte das vítimas neste feito, tudo ocorrido no interior do haras de propriedade do então bicheiro Maninho, em Guapimirim”. O Júlio citado no inquérito é um então funcionário da propriedade, que chegou a ser denunciado pelo MP, mas foi retirado posteriormente da ação penal.
ELO COM BICHEIRO
Em depoimento à Justiça, em junho deste ano, uma testemunha contou que ligou para Pedro Fu no dia seguinte ao desaparecimento para saber o paradeiro das vítimas e ouviu um conselho irônico: “Procura um advogado”.
Musauer admitiu, para a Polícia Civil, que trabalhou como operador de máquinas caça-níquel por um período, depois de deixar o Café do Gol. O assessor de Romário conta que pediu o emprego a Maninho, que o orientou a procurar Pedro Fu. Os três se conheceram no Salgueiro, escola frequentada por Musauer e da qual Maninho foi patrono. Pedro Fu é irmão da atual presidente da escola de samba, Regina Celi, e, em 2008, sofreu um atentado na entrada da quadra. Questionado na ocasião sobre o sumiço das vítimas, Musauer afirmou que só “soubera do desaparecimento três dias após o ocorrido”.
Nos autos do processo, “um organograma da composição da organização criminosa” aponta Musauer como um integrante ligado diretamente a Pedro Fu. Este, por sua vez, seria chefiado por Zé Personal e Shana, filha de Maninho, o líder máximo da quadrilha.
A ficha criminal de Musauer traz ainda uma investigação por tráfico de drogas. Não há, nos autos, no entanto, a conclusão do inquérito, e nenhum processo referente ao assunto foi encontrado no Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) e em instâncias superiores.
Musauer ainda não foi ouvido pela Justiça. A última movimentação do processo aconteceu em junho deste ano, quando testemunhas foram ouvidas. Após a audiência, o Ministério Público solicitou que mais testemunhas sejam convocadas a depor.
“MANDATO NÃO DISCRIMINA”
O senador Romário saiu em defesa do assessor parlamentar Wilson Musauer Júnior, acusado de homicídio qualificado, ocultação de cadáver e formação de quadrilha. Em nota, afirmou que “o mandato não pratica discriminação no processo de seleção de seus funcionários”.
Romário ressaltou que Musauer apresentou “todas as certidões negativas exigidas para tomar posse na administração pública”. Para Romário, “até que se prove o contrário, ele é inocente”. O senador destacou ainda que a Constituição determina que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Questionado, Romário não respondeu se tinha conhecimento das acusações contra o assessor. O senador também não informou se Musauer permanecerá no gabinete e na executiva estadual do PSB enquanto for réu no processo.
A advogada responsável pela defesa de Musauer, Márcia Valéria de Carvalho Paiva, negou a participação dele no crime.
— O Wilson e o Pedro Paulo (Pedro Fu) foram envolvidos nisso e não têm culpa nenhuma. Não estavam presentes (no haras) no dia do fato. Uma testemunha-chave diz isso — alega a advogada.
A testemunha em questão havia apontado a participação de Musauer e Pedro Fu em depoimento à Polícia Civil: “Que haviam dois seguranças no local, sendo certo que um deles era Wilson; que pôde observar que Wilson jogava cinzas da fogueira na peneira, enquanto Júlio a peneirava”, afirmou.
Frente ao juiz, mudou a versão: confirmou os assassinatos, mas afirmou que os réus não estavam no haras no dia do crime. Segundo ele, uma outra testemunha o obrigou a fornecer aquelas informações para a polícia. A advogada endossa a tese e diz que a testemunha foi “obrigada por outra pessoa” a dizer que Musauer e Pedro Fu cometeram o crime. Perguntada se Musauer tem algum álibi ou uma prova inquestionável de que não estava no haras no dia dos assassinatos, a advogada mostrou confiança:
Fonte: O Popular