Adaptação em avião do século passado pode estar por trás de dois acidentes idênticos
O Boeing 737 é o avião mais bem-sucedido da história. Desde seu lançamento, em 1967, foram construídas mais de 10,4 mil unidades. Durante esse tempo, a empresa norte-americana foi aperfeiçoando o avião para torná-lo mais eficiente sem que fosse necessário reprojetar toda a fuselagem – o que sairia muito mais caro.
Quando a Boeing desenvolveu o 737, seus dois motores eram pequenos. Isso permitia que o avião tivesse trens de pouso curtos, o que reduz os custos de operação e manutenção. Só que, com o tempo, foi necessário colocar motores mais eficientes (e bem maiores).
Com motores mais altos, o avião inteiro precisou subir. O que significou instalar trens de pouso mais altos. Para isso, foi necessário reprojetar toda a estrutura que sustenta a aeronave quando ela está no solo. Para dar uma ajudinha, a Boeing moveu os fios e equipamentos que costumavam ficar instalados ao redor do motor para outras partes da fuselagem do avião – o que rendeu o visual “amassado” que os motores dos 737 modernos têm.
No entanto, quando a Boeing desenvolveu a última geração do avião (batizada de “MAX”), os motores cresceram tanto que remanejar os equipamentos em torno deles não era mais suficiente. Então, a empresa resolveu colocá-los alguns centímetros para frente da asa – e, com isso, deixá-los levemente mais altos.
O truque funcionou, mas engenheiros detectaram que isso fazia com que avião tivesse uma pequena tendência de elevar o nariz sem que os pilotos precisassem tocar nos comandos. Em certos casos – sobretudo durante as decolagens –, essa situação poderia fazer com que o 737 perdesse sustentação (estol) e caísse.
Por causa disso, a Boeing incluiu no 737 MAX um software chamado MCAS (sigla para sistema de ampliação de característica de manobra, em inglês). Ao detectar o risco de estol, o MCAS altera o ajuste de uma peça chamada trim para abaixar o nariz do avião e manter a sustentação.
Foi aí que começou a sequência de erros da Boeing. O primeiro é que o MCAS não dá nenhum alerta na cabine de que entrou em ação. E o ato dos pilotos puxarem o manche (o que faz com que o avião volte a subir) não inibe o funcionamento do software de correção. A cereja do bolo: a Boeing não avisou aos seus clientes da existência do MCAS, e não incluiu os procedimentos de inibição do software no manual de operação do 737 MAX.
Tudo isso começou a vir à tona quando um 737 MAX 8 da Lion Air com apenas dois meses de uso caiu em outubro passado próximo a Indonésia, matando todos os seus 189 ocupantes. O acidente ainda está em investigação, mas uma falha do MCAS entrou na lista de suspeitas pela queda.
A situação em piorou em março, quando outro MAX 8, da Ethiopian Airlines, caiu em Addis Ababa e levou consigo 149 vidas. O acidente foi idêntico ao de 2018, com o avião colidindo poucos minutos após ter decolado da capital etíope.
Muitos especialistas creem que, em ambas as situações, o MCAS pode ter entendido que o avião estava em risco de estol e entrou em ação sem alertar os pilotos, fazendo com que o 737 apontasse em direção ao solo.
A China resolveu não esperar o fim da investigação e suspendeu os voos do 737 MAX em seu território, sendo seguida por outros países asiáticos e a União Europeia. Três dias depois, a pá de cal: a Boeing, em acordo com a FAA (Administração de Aviação Federal dos EUA), resolveu solicitar a seus clientes que todos os aparelhos MAX não voassem até que as causas dos acidentes fossem esclarecidas.
O resultado imediato foram queda nas ações da Boeing, que também pode ser impactada com a perda de confiança do consumidor e até cancelamento de pedidos do 737 MAX. Ao final de 52 anos de história, talvez a Boeing finalmente desista de continuar fazendo atualizações constantes em seu mais importante avião.
Fonte: Super Interessante