Quase seis anos depois de dez mortes ocorridas na mesma noite em Goiânia, a Polícia Civil ainda não divulgou se elas têm ligação entre si. A hipótese de extermínio foi levantada na época pelos delegados da força-tarefa que investigavam os casos depois que exames de confrontos microbalísticos mostraram que pelo menos seis pessoas foram mortas pela mesma arma.
A tese da chacina aparece na investigação da morte de Walderico Pereira da Silva Júnior, que tinha 25 anos. Além dele, outras nove pessoas foram assassinadas em 7 de abril de 2017.
A investigação de Walderico foi digitalizada pelo Tribunal de Justiça de Goiás no ano passado e, por isso, foi possível ter acesso aos documentos.
A Polícia Civil informou na terça-feira (7) que, dos três inquéritos instaurados, um já foi concluído. “Os demais encontram-se em curso, com dilação de prazo deferida pelo Judiciário, para realização de novas diligências visando o deslinde da autoria delitiva”, diz a nota.
A corporação não informou qual investigação foi concluída nem quando isso se deu. O g1 questionou sobre a apuração das outras mortes e se ficou comprovado que elas têm ligação, mas essas informações não foram divulgadas.
O Ministério Público informou que cabe à Polícia Civil, ao fim das investigações, apontar se realmente há “relação entre as nove mortes e indicar as provas de autoria”. O g1 questionou ao MP o motivo de eles considerarem nove mortes em vez de 10, mas não obteve resposta até a última atualização desta reportagem.
A investigação da época, que chegou a ser comandada por vários delegados diferentes, desconfiava que havia ligação entre todas as mortes, mas não se sabia a motivação dos assassinatos, feitos em sequência, em bairros diferentes e com intervalo entre si.
Confronto balístico
O que liga os homicídios ao possível mesmo autor, ou até a um segundo, é o confronto balístico de balas e cápsulas retiradas dos corpos das vítimas e dos locais de crime (veja abaixo).
De acordo com os resultados anexados ao processo em 15 de abril de 2017, em todos os homicídios foram usadas, inicialmente, dois calibres diferentes: uma pistola .40 e outra de 9mm.
A primeira morte do dia 7 de abril de 2017 foi pela manhã, a de Leiliane Pereira dos Santos, baleada numa suposta tentativa de assalto. Depois dela, a sequência de nove homicídios ocorreu entre 22h e 4h. Por isso, a polícia apontava indícios da mesma autoria entre os crimes.
Vítimas e ligação entre os crimes:
- Uelton de Souza Santos, 27 anos: morte investigada no inquérito 146/2017. Ele foi morto a tiros em 7 de abril, no Residencial Senador Paranhos. Estava saindo com uma garota, segundo testemunhas. Dois homens apareceram na rua em uma motocicleta e atiraram.
- Thiago Pereira do Prado, 19 anos: morte investigada no inquérito 143/2017. Foi morto a tiros junto com um amigo na porta de casa, na madrugada de 8 de abrilm no Setor Vila Pedroso. Uma parente do Thiago, que morava no mesmo lote, disse que ouviu tiros e quando saiu na rua não viu mais ninguém.
- Cleberson Alves da Silva, 19 anos: morte investigada no inquérito 143/2017. O jovem foi morto a tiros junto com Thiago Pereira do Prado, sob a mesmas circunstâncias.
- Walderico Pereira da Silva Júnior, 25 anos: morte investigada no inquérito 144/2017. Ele foi morto com 8 tiros na porta de uma distribuidora de bebidas, na madrugada de 8 de abril. Testemunhas contaram à polícia que duas motos passaram no local, mas uma voltou depois. Um dos criminosos mandou Walderico deitar no chão e depois começou a atirar. Duas testemunhas que estavam no local não reconheceram os atiradores porque eles estavam de capacetes.
- Paulo Ricardo Araújo Oliveira, 17 anos: morte investigada no inquérito 149/2017. O adolescente foi morto a tiros na porta de casa. Ele mora na mesma rua onde Thiago Pereira e Cleberson Alves foram mortos horas depois. Ele e Thiago eram conhecidos, mas não amigos, segundo depoimento de familiares.
- Jonathan Pereira Queiroz, 24 anos: morte investigada no inquérito 169/2017. O jovem foi assassinado a tiros na avenida Goiás Norte, no Setor Norte Ferroviário. Segundo testemunhas, ele estaria em situação de rua e foi achado baleado por um frentista de um posto de gasolina. O que liga ele às outras mortes é que os tiros foram disparados pela mesma arma que matou Thiago, Uelton e Walderico.
- Moacir Alves de Souza, 39 anos: morte investigada no inquérito 135/2017. Ele foi morto a tiros na porta de casa, no Setor Nova Esperança. Moacir e Cleberson foram mortos pela mesma arma.
- Eurismar Rodrigues de Souza, 38 anos: morte investigada no inquérito 168/2017. Homem em situação de rua, segundo a investigação, morto na mesma avenida em que Jonathan Queiroz foi assassinado.
- Leiliane Pereira dos Santos, 23 anos: a jovem morreu numa suposta tentativa de assalto, no Setor Recanto das Minas Gerais, mesmo bairro em que Walderico foi assassinado mais tarde. Ela estava acompanhada de um policial militar, que foi baleado e sobreviveu. Na hora, ele trocou tiros com os criminosos e matou um deles. A única vítima que foi morta com uma arma diferente foi Leiliane. Os peritos encontraram balas de pistola .40 S&W no corpo dela.
- Kaio César da Silva Morais, 18 anos: morto a tiros na rua, no Setor Jardim Abaporu. A Polícia Civil disse na época que os homens que estavam em uma moto e mataram Walderico podem ser os mesmos que mataram Kaio.
Segundo as investigações, havia a suspeita que Leiliane, Moacir e Cleberson tivessem sido mortos pela mesma arma. Mas ficou comprovado que Leiliane foi a única a ser morta com a pistola calibre .40 S&W. Todas os demais homicídios foram praticados com pistola 9mm.
Já Moacir e Cleberson, que estavam em bairros distantes um do outro, foram mortos pela mesma arma, o que liga o mesmo atirador aos demais crimes. As vítimas Uelton, Thiago, Jonathan e Walderico também foram mortos pela pistola em questão, conforme o exame microbalístico.
Na época dos assassinatos, em 2017, a DIH ressaltou que todos os casos estavam sendo investigados e que a maioria poderia ter ligação com tráfico de drogas.
Agentes da Polícia Civil tentaram em vários momentos conseguir imagens de câmeras de segurança que mostrassem a ação dos criminosos. No caso de Walderico, foi cumprido até mandado de busca e apreensão em dois comércios próximos ao crime, mas os equipamentos não tinham gravado o crime.
Prazo para concluir os inquéritos
A última movimentação no processo judicial de Walderico, a delegada Caroline Matos Barreto pediu mais seis meses para terminar as investigações. O pedido foi feito em 29 de dezembro do ano passado.
“Devido ao excesso na demanda, ocasião em que este cartório conta mais de 300 inquéritos policiais com investigações em andamento concomitantemente, aliado ao número reduzido de policiais, ainda não foi possível concluir o procedimento investigativo”, justificou a delegada no pedido.
O Ministério Público informou que concordou com o prazo, e o juiz Lourival Machado da Costa, então, concedeu, em 10 de janeiro deste ano, o tempo pedido pela polícia.
Fonte:G1