Após décadas longe da sala de aula, mãe e filha são alfabetizadas juntas em Morrinhos

Aos 58 anos, a merendeira Maria Helena da Silva prova, junto à sua mãe, Vitalina Inácia Neta, de 81, que nunca é tarde para realizar sonhos. Em 2022, as duas entraram na empreitada de voltar a estudar após décadas fora de uma sala de aula e se alfabetizaram juntas, em Morrinhos, no sul de Goiás.

“Sempre tive no meu coração a vontade de ir mais um pouco. Quero aprender, aperfeiçoar, mas eu tinha medo, por causa da idade, então começamos do zero”, contou Maria Helena.

Nascidas e criadas na “roça”, Maria Helena contou que ela e sua mãe nunca tiveram oportunidades de se dedicar aos estudos quando crianças ou adolescentes. Durante a infância, ainda na fazenda, Vitalina chegou a começar os estudos e a aprender a escrever o próprio nome.

No entanto, o uso de métodos como a palmatória nas aulas de matemática a traumatizaram, fazendo com que isso bloqueasse sua vontade de ir para a escola, deixando uma lacuna, devido a grande vontade ainda existente de aprender.

Já a primogênita de Vitalina explicou que, quando criança, estudou em uma escolinha, mas mudava de escola em escola, uma vez que sua família sempre se mudava de cidade para cidade. Ela conta que a mãe sempre incentivou os filhos a estudarem e que todos os seus seis irmãos possuem mais estudo do que ela.

Mesmo com a insistência da mãe, ela explica que o pai tinha um pensamento contrário, de modo que sempre que Vitalina matriculava as crianças em uma escola, ele dava um jeito de desfazer o compromisso e fazê-las botar “a mão na massa”, na roça. Quando se casou, Maria Helena diz que não foi diferente, já que o marido dizia que “mulher casada não precisa estudar”.

Apesar da falta de oportunidades, a paixão e a vontade de aprender sempre esteve presente. Por isso, Maria Helena sempre fez questão que seus três filhos fossem para a escola e aproveitava toda a oportunidade que tinha para aprender de tudo com eles.

“Meus filhos iam para a escolinha, chegavam e me ensinavam as coisas que eles aprendiam”, relembrou a merendeira.

Já Vitalina, que é descrita pela filha como lúcida e extremamente inteligente, sempre teve gostos pela arte, como pinturas e desenhos e até poesias. Com tanta vontade dentro delas, o incentivo de colegas e familiares foi determinante para que elas voltassem a estudar.

“Eu já sabia um pouco, mas com o tempo, a gente esquece, então começamos do zero”, disse Maria Helena.

Novos desafios

Foi com a felicidade esboçada no rosto em sorridos “de orelha a orelha” que as duas receberam o diploma da alfabetização no último dia 15 de março (veja foto acima). A turma do projeto Projeto Alfabetização e Família, idealizado pelo Gabinete de Políticas Sociais (GPS) do Governo de Goiás e implementado pela Secretaria de Estado da Educação (Seduc), que Maria Helena e Vitalina participaram começou no dia 25 de julho de 2022 e finalizou no último dia 1º de fevereiro de 2023.

“Elas eram totalmente dedicadas. Não faltavam às aulas e eram assíduas ao projeto, então conseguiram se alfabetizar”, contou a coordenadora do projeto, Mariliner Martins

Mariliner Martins ainda explicou ao g1 que o projeto é de inclusão social e tem como objetivo de ensinar pessoas acima de 15 anos que não tiveram a oportuniade de se alfabetizar. Para isso, o projeto acontece em parceria com outras instituições, como igrejas evangélicas e lar de idosos, para que as aulas possam acontecer fora das tradicionais salas de aula – ainda que algumas turmas também ocorram em escolas.

Com o objetivo de fazer com que os alunos recebam toda a atenção possível, as turmas são pequenas, de 5 a 10 anos cada, e a carga horária é de cerca de seis horas semanais, a depender do ritmo e da necessidade de cada turma, que dura seis meses. A metodologia, segundo Mariliner, é uma alfabetização significativa, com atividades lúdicas focadas nas necessidades do dia a dia, como fazer contas para comprar produtos em supermercado.

No caso de Vitalina, Mariliner conta que o uso de poesias foi um dos recursos utilizados no processo de aprendizado dela, dado ao grau de significância que possui para a mulher.

“Pegamos coisas do dia a dia para significar. Se o adulto não cria um significado [com o que está aprendendo], ele abandona [o estudo]”, explicou Mariliner.

Após a formatura na alfabetização, os desafios não pararam por aí. Juntas, agora mãe e filha se preparam para uma nova fase rumo à conclusão das etapas da Educação Básica.

“Estamos as incentivando a se matricularem na Educação de Jovens e Adultos (EJA) e em agosto elas devem começar”, explicou Mariliner.

No dia a dia, elas já vêem a diferença da alfabetização. Vitalina, por exemplo, que antes tinha medo da matemática, já consegue fazer contas no supermercado e até conferir o troco com facilidade. A longo prazo, o objetivo de Maria Helena é fazer algum curso de graduação. Apesar ter o sonho de criança de ser professora, ela não descarta a possibilidade de fazer uma faculdade de gastronomia no futuro. Já a mãe, Vitalina, almeja a realização de cursos de desenho e até informática.

“Surgiu no meu coração que eu tinha que ‘ir para frente’ e eu estou indo”, finalizou Maria Helena.

Fonte:G1

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