Após uma série de adiamentos, foi iniciado nesta segunda-feira (26), o júri popular dos policiais acusados de matar o adolescente Roberto Campos da Silva, conhecido como Robertinho. O pai da vítima, Roberto Lourenço, foi a primeira pessoa a prestar depoimento durante o julgamento e, ao g1, ele cobrou justiça pela morte do filho e contou que o sofrimento pela perda do adolescente ainda é grande.
“Parece que [a morte] foi ontem, é uma dor sem fim”, disse.
O júri é presidido pelo juiz Lourival Machado. Durante o depoimento, o pai de Robertinho contou sobre a dinâmica do crime e afirmou que o filho foi morto depois de defender o pai aos policiais e dizer que ele era um ‘homem digno’.
“Ele falou: ‘Meu pai é trabalhador, honesto, não mexe com drogas não’, aí eles foram lá e executaram o meu filho”, relatou o homem.
Apesar de existir a possibilidade do júri durar até terça-feira (27), os advogados de defesa e a promotoria falaram sobre a possibilidade de acabar ainda nesta segunda-feira (26). A promotora Renata de Oliveira afirmou estar confiante quanto as provas apresentadas no processo.
“Não existe muita controvérsia de como os fatos ocorreram, o que estamos debatendo é se a conduta foi correta ou não, e do ponto do Ministério Público não foi uma conduta correta”, explicou.
O advogado de defesa, Thales Jayme explicou que, ao todo, nove testemunhas devem ser ouvidas, sendo cinco de acusação e quatro da defesa. O advogado dos réus, Maurício de Melo Cardoso, afirmou que o objetivo da defesa é “demonstrar que a interpretação dada até agora [do processo] está equivocada”. Ele ainda pontuou que pretende trabalhar as teses de legítima defesa, homicídio privilegiado e absolvição por negativa de autoria.
Depoimento em júri
Durante depoimento realizado nesta segunda-feira (26), no júri dos policiais acusados de matar Robertinho, o pai da vítima, Roberto Lourenço, relembrou o momento do crime. Segundo ele, a situação contou após ele chegar em casa do trabalho, quando de repente sua casa ficou sem energia. Ao ver que ainda havia luz nos postes na rua em que morava, ele pegou uma escada para ver do lado de fora do muro.
“Subi, vi três pessoas manuseando armas e falando que iriam entrar. Apavorei e entrei. […] Achei que era um assalto e atirei para cima para ver se eles corriam”, contou.
Segundo o pai, logo após atirar para cima, os policiais atiraram contra o portão, momento em que ele e o Robertinho foram atingidos por disparos. O pai ainda disse que, durante a ação, os policiais não estavam fardados e tinham admitido terem o seguido durante todo o dia.
“Falaram que esperaram sair do serviço, me seguiram e que eu dei muito trabalho para eles, mas não sei dizer o motivo pelo qual eles fizeram isso”, contou.
Roberto ainda contou que, após levar o primeiro disparo na perna, Robertinho o defendeu para os policiais após eles arrombarem o portão da casa e entrarem na garagem, local em que pai e filho estavam. Segundo ele, foi nesse momento que o filho levou os disparos fatais. No depoimento, o pai da vítima não soube dizer qual dos três policiais foi o autor dos disparos contra o adolescente.
Ele ainda contou que a arma que utilizou para dar um tiro para cima não tinha registro e foi adquirida após a família ter sido assaltada meses antes, em uma outra casa.
Segundo adiamento em 2023
No dia 17 de abril, o júri foi adiado após o advogado de defesa dos acusados apresentar um atestado médico. Por isso, foi remarcado e estava previsto acontecer na manhã do dia 17 de maio. Entretanto, o advogado de defesa fez um pedido de adiamento e apresentou um novo atestado médico em que alega que se machucou durante o final de semana.
Conforme o juiz, o atestado do advogado tem duração de 15 dias, mas participou de outro julgamento no dia 15 do mesmo mês. Por causa disso, a clínica que emitiu o documento será intimada para apresentar o prontuário dentro de 24h.
“Ele falou que sofreu uma queda e está incapacitado por 15 dias, mas na segunda-feira participou da sessão até quase 20h”, disse Lourival .
De acordo com o juiz, os réus têm 10 dias para apresentar novos advogados caso queiram, podendo também continuar com o mesmo defensor. Se um novo advogado não for indicado, a Justiça vai designar um defensor público.
Relembre o caso
Segundo o processo, no dia 17 de abril de 2017, os três PMs, que faziam parte do serviço reservado, estavam à paisana, foram até a casa do ex-mecânico, que estava com o filho e a esposa, e desligaram o relógio de energia.
Assustado, Roberto pegou uma arma que tinha em casa, adquirida após sofrer um assalto, e deu um tiro para cima. Na sequência, foram dados vários tiros de fora da casa para dentro. Ainda de acordo com a investigação, Robertinho foi atingido por mais de dez disparos e morreu no local. Os militares, porém, alegaram legítima defesa.
Roberto também foi baleado e socorrido. Ele recebeu alta tempos depois, mas não se recuperou totalmente, pois ainda tem projéteis no corpo que não foram retirados, o que lhe causa uma série de dores. Os réus, Cláudio Henrique da Silva, Paulo Antônio de Souza Júnior, Rogério Rangel Araújo Silva, chegaram a ser presos, mas foram soltos quase três meses depois.
Detalhes da noite do crime
Um vídeo gravado logo após o crime mostra o desespero da madrasta do adolescente. Nas imagens é possível ver que a mulher afirma que a casa foi invadida e alvejada por policiais militares e até questiona um homem, que seria um dos agentes, sobre os motivos (assista abaixo).
“Ai meu pai do céu. O Robertinho está lá caído no chão, meu pai. Como é que fazem uma coisa dessas, a gente estava dentro de casa, sem fazer nada, aí chega a polícia atirando. Mataram o menino que não fez nada, é estudante”, disse.
Em seguida, ela questiona o homem: “Porque você desligou a energia da nossa casa, moço? Você está mentindo, você desligou. O vizinho está de prova”, argumentou a mulher.
De acordo com a madrasta, a família estava em casa quando todas as luzes se apagaram. Assim, o pai e o menor saíram para ver o que tinha acontecido e ela e os outros dois filhos do casal, de 14 e 8 anos, ficaram no interior do imóvel.
Segundo a mulher, ao sair, as vítimas perceberam que todos os outros vizinhos tinham energia e já ficaram apreensivos, pois a família foi vítima de um assalto há três meses, quando foi feita refém e teve um carro roubado. Desde então, o pai comprou uma arma para se defender.
“Meu esposo colocou a escada no muro para ver o que tinha acontecido. Em seguida ele pegou a arma e foi em direção ao portão. Daí para frente só ouvi tiro de fora para dentro”, contou ela.
A mulher relatou que homens que estavam do lado de fora exigiam que Roberto Lourenço abrisse o portão, mas ele se recusou.
“Primeiro eles atiraram do lado de fora, metralharam tudo, depois falaram para abrir o portão. Meu esposo se negou porque achou que fossem assaltantes. Quando atiraram do lado de fora já atingiram meu esposo e meu enteado. Eles arrombaram o portão e entraram atirando”, contou.
Acusação de drogas em casa
Na época, o delegado Marco Aurélio Euzébio Ferreira, responsável pelo caso, disse que os policiais, pertencentes ao Serviço Reservado da PM, tentaram justificar o motivo que os levaram a entrar na residência.
“Eles disseram que receberam uma informação de que no local funcionava um ponto de venda de tráfico de drogas. Porém, não revelaram de onde nem como tiveram acesso a essa suspeita. No local, também não foi encontrado nenhum tipo de entorpecente”, destacou.
A dedução sobre a presença de drogas na residência foi mencionada pela madrasta de Robertinho, que estava na casa. Pedindo para não ter a identidade revelada, ela revelou que os suspeitos disseram.
Segundo ela, quando o trio entrou no quintal, falou:
“Vou ensinar a vocês a atirar em policia” e deram mais tiros. “Executaram o filho do meu marido. Depois entram em casa e começaram a me pressionar perguntando por drogas. E eu falando que não tinha nada aqui em casa, mas eles perguntavam: ‘e a droga daquele que está morto caído lá fora? ‘. Nessa hora eu fiquei em pânico, descobri que eles tinham matado o Roberto Filho”, lamentou.
Fonte:G1