É provável que hoje ou amanhã, quando os pilotos percorrerem a pé o Circuito de Baku, como em geral fazem antes de os treinos começarem, eles fiquem impressionados. Apesar de provavelmente não admitirem, alguns vão sentir um friozinho na espinha em certos pontos da mais veloz pista de rua já construída. Em três deles a velocidade ultrapassará 300 km/h.
Por mais que a FIA pense em segurança, um carro nessa velocidade, com muro dos dois lados e raras áreas de escape, o risco de consequências sérias para os pilotos no caso de acidente é sempre grande. Não há dúvida: o exame de coragem já foi estabelecido no fim de semana.
Os 6.006 metros do Circuito de Baku, distribuídos em 20 curvas e várias retas, uma delas a maior dentre todas existentes nos traçados da temporada, com impensáveis 2.100 metros de extensão, representam desde já uma atração do GP da Europa, oitavo do calendário, estreia do Azerbaijão no Mundial.
Em conversa exclusiva com o GloboEsporte.com, o arquiteto alemão Herman Tilke, responsável pela obra, afirmou: “Nos pediram uma pista única. E acho que atendemos”. Tilke acompanha os trabalhos finais de montagem do circuito.
O alemão falou, ainda: “Procuramos construir uma pista que as pessoas comentem sobre sua espetacularidade, que diferencie os pilotos. Ao mesmo tempo, estudamos formas de integrar os muitos aspectos históricos e modernos da cidade. Tive grande prazer em trabalhar nesse projeto”.
PÉ EM BAIXO O TEMPO TODO
Imagine este cenário: Lewis Hamilton sai da curva 16, percorrida em 3ª marcha, a 140 km/h (veja a tabela abaixo) e alguém zera um cronômetro. O inglês da Mercedes vai trocando marcha, quarta, quinta, sexta, sempre com o acelerador no curso máximo, e a 260 km/h passa pelas leves curvas, retas para um carro de F1, 17 e 18, insere a sétima, a 280 km/h, e transpõe a curva 19 da mesma forma flat out (de pé no fundo). Pode haver pequena variação nessas velocidades, carro a carro, piloto a piloto.
Hamilton saiu da curva 19 a 280 km/h e coloca a oitava marcha. Da saída da curva 16 até agora, saída da 19, sempre flat out, percorreu 700 metros. Mas tem ainda pela frente 1.400 metros de reta. A curva 20 não é curva, mas reta. A velocidade de Hamilton continua crescendo. Só não cresce mais rápido porque a Mercedes precisou adotar um acerto aerodinâmico de alguma carga a fim de que ele seja rápido também nos trechos mais lentos da pista, como entre as curvas 3 e 12.
No fim da reta única de dois quilômetros, Hamilton atingirá cerca de 340 km/h, depois de esquecer o pé no acelerador por 30 segundos. É provável que os engenheiros já tenham estudado o impacto de tanto ar nos discos, pastilhas e pinças do sistema de freios. A temperatura pode ficar abaixo da faixa recomendada pelo fabricante para oferecer uma frenagem segura.
Um detalhe impressionante. A reta é tão longa que o DRS, ou flap móvel, só poderá ser usado depois da curva 20. E os pilotos já percorreram, até então, cerca de mil metros com o acelerador no curso máximo. Para realizar a ultrapassagem terão ainda mais mil metros. Os pilotos deverão começar a frear pouco antes da placa dos 100 metros. Por conta do tempo em que o DRS estará aberto, as diferenças de velocidade entre dispor e não dispor desse recurso será alta. Ou seja, não vai ser difícil ultrapassar.
Na China, da saída da curva 12 até a freada da curva 14, no fim da reta, são 1.300 metros de aceleração plena. A boa notícia para os pilotos, em Baku, é a excelente largura da pista em quase toda a extensão. Há um senão a esse respeito, a ser abordado.
Os pilotos irão com o DRS aberto da saída da curva 20 até a freada da curva 1, em frente os boxes, semelhante ao que acontece em Interlagos, quando a freada do S do Senna, depois de 1.200 metros de aceleração, desde a saída da Junção, se dá na reta em frente a área dos boxes.
Se em Montreal, domingo, Nico Rosberg, da Mercedes, não escondeu ter recebido orientação do time para reduzir a velocidade, em determinado momento da prova, por causa da necessidade de economizar combustível, ao longo das 51 voltas do GP da Europa, domingo, esse problema ganhará dimensão ainda maior. Os longos trechos de pé em baixo implicam consumo elevado de gasolina. O limite é o mesmo para todo GP: 100 quilos para os 305 quilômetros de competição.
BEM MAIS QUE UMA RETA LONGA
Mas a pista da bela, moderna e limpa cidade de Baku, com seus 3 milhões de habitantes, não se limita a essa grande reta. Há muito mais. Da curva 2 a curva 3, por exemplo, há outra reta de nada menos de 700 metros. Mas o que realmente deve gerar aquela sensação já descrita nos pilotos, uma certa preocupação, ao mesmo tempo o prazer do desafio, é o trecho compreendido entre a saída da curva 12 e a freada da 15, com 740 metros de extensão, passando pelas curvas 13, a 260 km/h, e a 14, 290 km/h, de pé em baixo o tempo todo, ao menos a maioria.
Tilke explica: “É como se o piloto estivesse num circuito oval. As curvas são suaves, muito velozes, com o soft wall do lado. A tecnologia é usada nos ovais dos Estados Unidos. Além de absorver parte da energia dos choques evita de o carro regressar para o meio da pista”. Certos pilotos dizem ser importante haver um componente de risco nos autódromos. Hamilton é um deles. Pois estarão servidos como nunca em Baku.
Mais um ponto de espetacularidade do circuito: não é plano. Há subidas e descidas. Esse trecho de alta velocidade entre as curvas 12 e 15 é em ascensão. Mas da 15 para a 16 o declive é acentuado. Entre a parte mais elevada e a mais baixa há um desnível superior a 30 metros. Quem conheceu a pista de Montjuic, em Barcelona, encontrará grande similaridade com a de Baku. Ambas muito rápidas, com desníveis importantes e não permanentes, os chamados circuitos de rua.
A última vez que Montjuic foi utilizado remonta a edição de 1975 do GP da Espanha. A Lola do alemão Rolf Stommelen perdeu o aerofólio traseiro durante a corrida, voou sobre uma arquibancada e matou cinco espectadores. O piloto sobreviveu. No Azerbaijão há grade de proteção reforçada com cabos de aço em toda a extensão do traçado.
HISTÓRIA PRESERVADA
Dentre as seções originais do trabalho de Tilke está a entrada do contorno da cidade antiga. “Estava em estudo uma pequena modificação da curva que antecede a famosa 8, para reduzir a velocidade naquele ponto”, explicou Tilke. De fato, o desenho da pista disponibilizado pela organização e para quem a percorre a pé, como fez o GloboEsporte.com, depara com uma alteração na sequência da curva 7.
A curva 8 passa pela mais estreita faixa de asfalto em todos os circuitos. São 7 metros e 20 centímetros, apenas, de largura. A rigor, passa um carro de cada vez. Trata-se de um segmento em aclive, bem lento, em que o piloto não tem visão do que o aguarda logo a seguir, pela existência de uma torre histórica do lado esquerdo da passagem dos carros. O guardrail a contorna. É único. A torre é conhecida no Azerbaijão por Giz Galasi. Era um dos vértices do muro da cidade. Foi construída no século XII.
A pista, da realidade, passa ao lado de outras edificações históricas e bem preservadas, sejam elas mais antigas ou recentes, como o imponente Palácio do Governo, da década de 20 do século passado. O circuito envolve ainda a Azadliq Square, a maior praça do centro, ex-praça Vladimir Lenin, e a grande reta é, na realidade, formada pelas avenidas Neftchiler e Baku boulevard.
A primeira avenida já se chamou Joseph Stalin. Desde a independência da União Soviética, em 1991, as autoridades do Azerbaijão mudaram todos os nomes que celebravam seus líderes. As duas avenidas, uma na sequência da outra, se estendem paralelas à borda do Mar Cáspio, de onde vem a principal riqueza do país, a extração de petróleo. A vista para quem passa nessa área é belíssima.