Coração impedido de ser doado por bloqueio em rodovias: entenda como é feita a captação de órgãos no Brasil

Na última semana, de acordo com a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES), o coração de um doador goiano não foi enviado a um paciente do estado devido aos bloqueios feitos por manifestantes nas rodovias. A pasta informou que a equipe que faria a coleta não conseguiria chegar a tempo ao aeroporto, o que impediu o transporte do órgão, que é feito por meio aéreo.

Mas você sabe por que a captação de órgãos deve ser feita de forma rápida? O cirurgião cardiovascular Artur Henrique de Souza, de Goiânia, explica que, o coração, por exemplo, precisa ser captado e “entregue” ao doador em um prazo máximo de 4 horas.

“O transplante de um coração não tem como ser feito por via terrestre, são por meio de voos privados. Para captar o órgão, a gente precisa o proteger para que o músculo não morra. Usamos uma solução para protegê-lo e temos um tempo hábil para o transporte”, explica o médico.

Em nota, a SES-SP explicou que, pela exigência de rapidez no transporte do coração, as equipes técnicas consideraram que, devido a bloqueios, por questões logísticas e de segurança, não seria possível realizar a operação de forma segura para que o órgão chegasse ao paciente em até quatro horas.

A Saúde de Goiás ainda complementou que após São Paulo não conseguir aprovar o recebimento do órgão, foi feita uma seleção no Distrito Federal, onde não foi encontrado receptor compatível.

Doação de órgãos- como funciona

Pacientes com diagnóstico de morte encefálica [cerebral] e internados em hospital são doadores de órgão em potencial. A família do paciente que é informada da possibilidade de doação dos órgãos, mas algumas pessoas ainda em vida já optam por se cadastrar como doadoras.

Segundo o governo brasileiro, caso a família concorde, vários exames são feitos para confirmar o diagnóstico da morte encefálica. A notificação é obrigatória por lei.

A Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (Central de Transplantes) é notificada e repassa a informação para uma Organização de Procura de Órgão (OPO) da região. A OPO vai ao hospital, examina o doador, revê a história clínica, antecedentes médicos e exames laboratoriais e avalia a viabilidade dos órgãos.

A OPO informa a Central de Transplantes, que emite uma lista de receptores inscritos, compatíveis com o doador. A central, então, informa a equipe responsável e o paciente receptor é indicado.

Fila de transplantes

Antes de receber o órgão, o paciente deve passar por uma avaliação multiprofissional para que possa entrar na lista de espera do Sistema Único de Saúde (SUS). No Brasil, não existem transplantes de forma particular, todas as pessoas precisam passar pelo SUS.

“A fila anda conforme a urgência de cada paciente. Ela é variável de acordo com as compatibilidades e prioridades, se o paciente tem risco de morte ou outras urgências. Tudo é organizado pela Central de Transplantes”, diz Artur.

“Em Goiás, o último transplante de coração foi feito há cerca de quatro anos na Santa Casa de Goiânia. Hoje, os locais que mais fazem são: Brasília, São Paulo e Fortaleza. Quando um paciente de Goiás precisa, ele é encaminhado para outro estado”.

Segundo Silvio Câmara, que é médico membro titular da Sociedade Brasileira de cardiologia, a legislação nacional exige que o doador de órgãos seja avaliado de acordo com a compatibilidade e com a ordem da fila.

“Há critérios de elegibilidade, um cadastro único de acordo com o ranqueamento. Cada estado tem suas peculiaridades, Goiás realiza transplantes de fígado, rins e córneas. Então, quando não há compatibilidade estadual, entra o sistema nacional”, explica.

Captação de órgãos

“O órgão é colocado em um recipiente adequado e em uma solução de soro gelado para ser preservado. Quatro horas é o limite de captação de um coração, o quanto antes, melhor. Alguns órgãos podem demorar mais tempo, como é o caso dos rins”, explica.

O médico conta que, se os músculos não forem preservados, o coração fica inviável para o transplante. “Tem que ser rápido. Se o músculo necrosa, é o mesmo que sofrer um infarto quando estamos vivos”.

O cardiologista Silvio Câmara também explica que, segundo o decreto presidencial de nº 8.783, assinado pelo então presidente da República, Michel Temer, foi determinado que a Força Aérea Brasileira (FAB) ficasse responsável pela logística do transporte de órgãos no Brasil. Com isso, poucos hospitais fretam voos particulares.

“No caso, por exemplo, de transplantes cardíacos, quando há um doador em Goiás, na maioria das vezes é um voo da FAB que vem realizar a logística, por causa do decreto presidencial de 2016. Ainda há acordos com as empresas aéreas e aeroportos para a prioridade do transporte de órgãos”, disse

Procedimentos de sucesso

Segundo o cirurgião, os transplantes de coração tem uma média de sucesso acima de 90%. Ele conta que o procedimento é feito de crianças até idosos, de acordo com a saúde de cada pessoa. “Os transplantes são feitos de bebês até pessoas com cerca de 70 anos, de acordo com a avaliação física de cada um”.

Artur fala sobre a importância de doar órgãos, já que possibilita que outras pessoas possam ganhar a chance de ter uma vida normal após passar pelo procedimento.

“Ainda há uma dificuldade na doação, um tabu, questões religiosas e até um medo, mesmo, para a doação de órgãos. Mas doar órgãos é doar vida. Você oportuniza pessoas a voltarem à vida ao normal ou próximo do normal”, ressaltou.

Bloqueios nas rodovias

Ao menos 27 trechos de rodovias em Goiás foram bloqueados por causa de manifestações logo após os resultados do segundo turno das eleições que terminou com a derrota de Jair Bolsonaro (PL) e vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Por conta dos bloqueios, muitas pessoas perderam compromissos. O cirurgião ainda contou que um médico, que faria uma cirurgia com ele, atrasou o procedimento em cerca de 1 hora, após ficar preso nas manifestações nas estradas.

“Meu anestesista faz plantão também em Brasília, e voltando de lá, ficou parado por causa da obstrução ainda no primeiro dia. Ele precisou conversar com o pessoal e falar que era médico para ser liberado. Ainda assim a cirurgia atrasou em quase uma hora”, finalizou o médico.

Fonte:G1

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