Déficit de vegetação nativa atinge área do tamanho dos estados do RJ e ES

Um estudo realizado pelo Observatório do Código Florestal –com o objetivo de averiguar onde está concentrado o déficit de vegetação nativa no país– revelou que cerca de 150 mil imóveis rurais não cumprem as leis de reserva legal. Reserva legal é a área da propriedade rural que é coberta pela vegetação nativa. Este déficit atinge cerca de 90 mil km² em todo o país, área que corresponde à soma do estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.

Outro ponto levantado pela pesquisa é a concentração de terras no Brasil. Apenas 4% das 3,5 milhões de propriedades rurais analisadas descumprem as normas do Código Floresta. Esta porcentagem, apesar de relativamente pequena, representa 20% de todas as propriedades analisadas. “É um reflexo dessa concentração, existem grandes áreas rurais nas mãos de poucos proprietários”, explica Roberta Del Giudice, secretária-executiva do Observatório.

Os estados de Mato Grosso e do Pará, palcos históricos do conflito agrário no país, são os que registram os maiores déficits de vegetação nativa:

Mato Grosso – 10.207 propriedades e 23.260 km² de área com déficit de reserva legal
Pará – 4.682 propriedades e 9.314 km² de área com déficit de reserva legal
Em termos proporcionais, 77% e 73% das propriedades rurais do Norte e do Nordeste, respectivamente, cumprem com as regras do Código Florestal. Já São Paulo está na ponta oposta e encabeça a lista dos estados onde há mais ilegalidades: apenas 30% dos imóveis não registram déficit de reserva legal.

O estudo sobre a eficácia do Código Florestal, publicado neste mês, entra nas discussões sobre a descaracterização do código, que pode ser totalmente modificado com a MP 867.

Por conta da sua validade (caso não seja votada, vai caducar no próximo dia 3), a bancada ruralista vem pressionando a mesa diretora da Câmara para colocá-la em pauta. Desde que foi apresentada, em dezembro passado, a MP foi costurada com 35 emendas, incluindo diversos “jabutis”, jargão para alterações que não constam nos objetivos iniciais da medida.

Ofensiva ruralista
Discutido por 13 anos e ainda com lacunas de regulamentação, o Código Florestal brasileiro é considerado um emaranhado de leis complexo e sofisticado. Não agradou ruralistas, tampouco ambientalistas, o que, à vista disso, mostra certo equilíbrio. Os “jabutis” acoplados pelos deputados na MP 867, no entanto, podem mudar todo o teor da proposta antes mesmo de sua aplicação integral.

O UOL apurou que a mudança em três artigos é o que mais preocupa pesquisadores e ambientalistas. Quando foi promulgado, em 2012, o Código Florestal estabelecia em seu artigo 29 um prazo até 2017 para que os proprietários rurais aderissem ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) e, consequentemente, ao Plano de Regularização Ambiental (PRA).

A União, por sua vez, segundo o artigo 59, teria um ano para implementar o Programa de PRA e 180 dias para regulamentar, com leis específicas, como será feita essa regularização.

Estes prazos foram estendidos várias vezes. Inicialmente, a MP de Michel Temer aumentaria mais uma vez esse limite para o final de 2019, com a possibilidade de extensão até 31 de dezembro de 2020. Com as emendas costuradas pelos deputados, estes prazos, entretanto, serão extintos. Na prática, os produtores rurais não terão qualquer obrigação de aderir ao CAR nem, por consequência, de recuperar o que por ventura tenham desmatado ilegalmente.

“Já faz um tempo que a tática tem sido empurrar com a barriga, com uma prorrogação a cada ano. Agora, como de certa forma a ala radical dos ruralistas está mais próxima do poder, estão dando essa empurrada definitiva. Não vai existir mais essa pressão para recuperar ou compensar as áreas que estão irregulares. Eles estão querendo acabar com o constrangimento de não cumprir a lei”, diz Raoni Rajão, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e que participou do estudo do Observatório.

Roberta Del Giudice cita um “empoderamento” de uma parte dos ruralistas que é “avessa à legislação ambiental”. “[A MP] Tem relação com a desconstrução do sistema nacional de meio ambiente, com a desconstrução do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis]”, argumenta.

O Código Florestal estabeleceu uma anistia aos produtores que tenham desmatado ilegalmente até 22 de julho de 2008. Uma das emendas propostas na MP, todavia, busca ampliar mais essa anistia –em especial no cerrado brasileiro. Uma mudança no artigo 68 pode ignorar todo o desmatamento ilegal que foi feito neste bioma até 1989, quando o termo “cerrado” foi incluído na Constituição.

“Essa anistia vai fazer com que áreas desmatadas ilegalmente até 1989 não sejam recuperadas. Bacias de captação de água de grandes cidades como São Paulo e Belo Horizonte estão no cerrado, e já foram muito desmatadas, com um percentual de vegetação nativa abaixo do necessário. Isso vai propiciar novas crises hídricas. Aliás, somando isso às mudanças climáticas, estamos caminhando para uma crise hídrica séria”, diz Rajão.

Para os pesquisadores ouvidos pelo UOL, as mudanças no Código Florestal têm como objetivo agradar uma minoria dos produtores rurais, os quais, por sua vez, são proprietários de uma grande fração de terras. Há também um consenso entre os estudiosos do tema de que uma menor proteção das reservas legais deve afetar o próprio agronegócio, já que o índice de conservação ajuda na produtividade.

A aprovação da MP ainda deve se refletir na economia. Países considerados desenvolvidos caminham para uma rejeição aos produtos que tenham relação com desmatamento. “O ‘trader’ [negociante] não quer estar associado a isso. Teremos um prejuízo econômico para o próprio setor do agronegócio, principalmente em termos de mercado internacional”, afirma Del Giudice.

Mudanças tramitam no Senado
O UOL mostrou, no começo deste mês, que o senador Flávio Bolsonaro (PSL), filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro (PSL), apresentou um projeto de lei que pretende revogar todas as normas referentes à proteção de vegetação nativa das propriedades rurais –o que pode aumentar a margem de desmatamento desses imóveis.

O PL visa revogar o capítulo 4 do Código Florestal, que versa sobre as reservas legais e estabelece percentuais mínimos de preservação, diferenciando as propriedades localizadas na Amazônia Legal. Análise feita pelo pesquisador Gerd Sparovek, da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) mostra que o projeto, caso aprovado, pode provocar o desmatamento de 167 milhões de hectares no território brasileiro, ou o equivalente a três vezes o tamanho do estado da Bahia.

Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

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