Há quase quatro anos, Leandro Prior teve de responder a um questionário para entrar na Polícia Militar (PM) de São Paulo que perguntava sua opinião a respeito do “homossexualismo”. Disse ter respondido que “não achava nada” até porque também é “homossexual”.
Aprovado, trabalha desde então no 13º Batalhão da PM, na capital paulista. Ele atua na Força Tática por meio do Programa Vizinhança Solidária na Cracolândia, área da região central de São Paulo conhecida pelo tráfico e consumo de drogas ao ar livre.
Nesse período, Prior se lembra de ter sido vítima de preconceito por conta de sua orientação sexual uma única vez diretamente e, nas outras, de forma velada. (veja entrevista no vídeo acima)
“Houve um caso onde apontaram o dedo. Foi dito que ‘com ele eu não trabalho’. Foi direto, curto e grosso. E a pessoa disse: ‘você sabe por que’. […] Os outros casos são velados, mas esse foi o único caso mais direto antes desse caso do vídeo”, conta aoG1 o PM.
“O caso do vídeo” a que se refere o soldado é o que foi feito por celular sem sua autorização. As imagens mostram o policial fardado beijando na boca outro homem, em trajes civis, no Metrô de São Paulo. Nada anormal para uma capital que todo ano tem uma das maiores paradas gays do mundo e desenvolve campanhas contra a discriminação por gênero e orientação sexual.
Mas quem filmou Prior dando um “selinho” em seu amigo não entendeu assim. Naquela ocasião, o policial havia deixado o trabalho, mas aparecia fardado dentro de um vagão da Linha 3-Vermelha do Metrô, o que chamou a atenção do desconhecido que gravou a cena.
Segundo Prior, até a corporação informa que não há regulamento que proíba manifestações de afeto fora do ambiente profissional. “Acredito que não seja proibido pelo artigo 104 da I-24 PM, onde ela permite atos de afeto fora da administração, área de administração militar”, diz o soldado de 27 anos.
Vídeo viralizou
Além de filmar o beijo que Prior deu no rapaz para se despedir, o responsável pela gravação resolveu compartilhar o vídeo, primeiramente num grupo fechado de policiais no aplicativo de celular WhatsApp. Logo depois a filmagem viralizou, mudando a vida de Prior a partir de junho.
“Não faço ideia [de quem gravou o vídeo], mas quero saber”, diz Prior, que não percebeu a gravação e busca a punição de quem a compartilhou. “Se tivesse percebido, eu mesmo teria tirado o celular da pessoa. Estou me sentindo assim… Como é que eu posso te dizer? Ainda um pouco aéreo, um pouco baqueado porque tomou uma repercussão muito grande”.
Ameaça de morte
A cada compartilhamento nas redes sociais, Prior recebia um xingamento, uma ofensa e até ameaças de morte acompanhando o vídeo.
“Aqui não aceitamos um policial fardado em pleno Metrô beijando um homem na boca. Desgraçado, desonra para minha corporação. Esse tinha que morrer na pedrada! Canalha safado! Se alguém não gostar desse comentário, f* você também!”, é uma mensagem postada na página do Facebook de um policial militar das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), tropa de elite da PM.
Declarações como essa levaram Prior a acionar a Polícia Civil e a Polícia Militar para tomarem providências criminais e administrativas contra policiais que o estão ameaçando. Os casos são acompanhados pelo advogado de Prior, José Beraldo, membro do Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana (Condepe), Ariel de Castro, e o ouvidor da Polícia, Benedito Domingos Mariano.
“Eu tenho diversos prints, e 90% a 95% das pessoas que fazem comentário de ódio em todas as redes sociais contra a minha pessoa e a minha vida são vindas de policiais militares”, informa Prior.
Mesmo figurando como vítima de homofobia, o soldado terá de responder a um procedimento administrativo também na corporação. Segundo a PM, a atitude de Prior no Metrô não obedeceu a regras de segurança exigidas pela corporação. Ele teria deixado o coldre da arma aberto. Sua arma foi recolhida.
Tratamento médico
Alegando motivos de saúde, Prior pediu afastamento da PM para se tratar. Chegou a ser internado numa clínica psiquiátrica e vem tomando remédios contra pânico. Teria de voltar ao trabalho nesta quarta-feira (11), mas disse não ter condições de voltar as atividades ainda.
“Pela pressão, porque as pessoas não imaginam a dimensão que tomam os problemas. Era uma coisa pequena, tomou uma proporção muito grande. Você, do nada, começa a receber ameaças de todos os âmbitos. Eu acredito que, psicologicamente, ainda não esteja apto a retornar”, diz ele, que teria conseguido mais um mês de licença médica.
O “homossexualismo” alude a um período em que o termo representava o que então era considerado um distúrbio mental pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Em 1990, a OMS retirou o item da sua lista internacional de doenças.
“Recordo-me que disse que eu não achava nada [quando perguntado sobre o que achava do ‘homossexualismo’]. A condição sexual do indivíduo não iria interferir no atendimento de ocorrência da minha parte”, diz Prior. “Completei: não vejo problema algum, afinal também sou [homossexual]”.
Prior, que em novembro completará quatro anos como policial militar, diz hoje sem medo: “Sim. Existem gays na PM e muitos”.
O soldado relata a existência de oficiais e comandantes homossexuais na PM paulista.
“Existem lésbicas, existem gays, existem trans. Continuam trabalhando e devem permanecer. Não é critério de diminuição dos índices criminais a condição sexual. Como qualquer outro lugar de chefia e direção de qualquer outra empresa ou corporação.”
Segundo ele, porém, a sociedade não tem tanto conhecimento da existência de gays na PM porque eles mesmo se escondem. “Existe um enorme preconceito na Polícia Militar contra gays”, diz Prior sobre outros policiais que usam de preconceito velado dentro da corporação contra homossexuais. “Um bom exemplo são perseguições feitas por outros PMs contra subordinados.”
O soldado também lamentou o fato de o governador de São Paulo, Márcio França (PSB), ter criticado neste mês a sua atitude de beijar um amigo no Metrô.
“Eu entendo que deu um certo constrangimento [à corporação]. A Polícia Militar tem as suas regras próprias”, chegou a falar França sobre o episódio envolvendo soldado. “Ninguém quer com isso fazer nenhum tipo de punição, mas é preciso ver que a farda, como eu disse, é uma extensão do estado, e a farda tem que ser respeitada. Eu não vejo significado em você usar coldre, farda, e ficar fazendo gestos de amor expresso em público, seja com homem ou com mulher”, completou França.
“Eu acredito que o posicionamento do governador, ele não seja este tão somente. Ele é o chefe máximo da polícia e das polícias. Eu acredito que ele tenha um coração mais humano”, disse Prior sobre a fala de França.
Vítima de homofobia
As únicas certezas que Prior tem são de que foi “vítima de homofobia, sim” e “o preconceito não está na corporação, mas na pessoa”.
“Não compensa se esconder, dê a cara a tapa. Se esconder é pior. Você vai receber ameaças se se esconder, sofrer ameaças se colocar a cara ao sol. Coloque a cara a tapa, dê a cara a tapa, enfrente, lute. Porque, se você não lutar, você já perdeu”.
Existem também PMs que estão apoiando Prior. “Muito apoio dos policiais da minha companhia, do meu batalhão. Agradeço imensamente a todos que manifestam esse apoio nas redes sociais”, diz. “Pretendo e vou continuar na Polícia Militar”.
Fonte: G1