Agentes de endemias da Secretaria de Saúde de Goiânia podem entrar em imóveis (residências ou não), cujos moradores neguem este acesso ou estejam abandonados. A decisão do juiz Carlos Magno da Silva acolheu pedido liminar feito em ação civil pública proposta pelos promotores de Justiça Marcus Antônio Ferreira Alves e Alice de Almeida Freire, no início do mês.
A medida visa assegurar o trabalho de prevenção e combate aos criadouros do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, zika vírus e chikungunya. Segundo assevera o magistrado, “todas as medidas, em face da excepcionalidade, deverão ser cumpridas com extrema cautela por parte dos agentes do município ou Estado, sendo que antes de qualquer ação deverá se priorizar o diálogo como o morador ou proprietário, demonstrando o grave risco das doenças causadas pelo mosquito transmissor”. Ele acrescentou que, caso os agentes e órgãos públicos não obedeçam aos regramentos, cuidados e cautelas necessários para a atuação sanitária, poderão ser responsabilizados, inclusive com o dever de indenizar eventual excesso ou dano ao patrimônio.
Pela decisão, o magistrado autorizou que, pelo prazo de 180 dias ou enquanto perdurar a situação de emergência, os agentes de saúde, devidamente credenciados e identificados com camiseta e crachá, ingressem nos imóveis habitados, em lotes e áreas que se encontram com construção ou não, ou com construção inacabada, cercadas e não habitadas, com a possibilidade de romperem obstáculos e com a obrigação de repararem, no caso de ser necessário. Em caso de negativa dos proprietários em autorizar a entrada dos agentes, estes poderão solicitar apoio da Polícia Militar.
Foi autorizada ainda a entrada em todas as propriedades, principalmente aquelas desabitadas e cercadas, da qual não se conhece o proprietário ou pessoa que possa permitir a aplicação dos larvicidas, para combate ao mosquito transmissor. Por fim, o magistrado determinou a citação da decisão, por edital, de todos os proprietários de terreno, construídos ou não, cercados ou desabitados, bem como os que eventualmente neguem acesso, no perímetro de Goiânia. A ação foi proposta contra quatro moradores do Jardim Nova Esperança, mas com o pedido para que houvesse a ampliação dos acionados a todos os proprietários de imóveis desabitados, fechados, abandonados e, sobretudo, àqueles que não permitem o acesso dos agentes de saúde.
Interesse coletivo
Conforme esclarecido na ação, os órgãos de vigilância epidemiológica apontam que cerca de 80% dos criadouros são encontrados em residências, especificamente piscinas, jardins (bromélias e vasos de plantas), caixa d’água, utensílios domésticos, calhas, revestimentos de refrigeradores etc. Contudo, tem sido rotineiro, durante o trabalho de fiscalização, que moradores de Goiânia não permitam a entrada dos agentes de saúde em suas residências.
Desse modo, foi argumentado pelos promotores que “está-se em uma situação de caos, demandando enérgica atuação do poder público e da sociedade como um todo”. Eles defenderam ainda que não é tolerável colocar em risco a saúde da coletividade em virtude de indivíduos que se recusam a colaborar com as atividades de preservação a epidemias que se procura evitar.
Na decisão, Carlos Magno ponderou que, no caso, a pergunta a ser feita é se o direito à intimidade e à não violação do domicílio devem se sobrepor ao direito à saúde da coletividade. Assim, sustenta que “o raciocínio mais prudente e porque não dizer mais coerente, relativiza o direito individual quando em conflito ou em colisão com o direito coletivo”. E acrescentou que não há justificativa plausível capaz de impedir a intervenção episódica do Estado na propriedade privada, evitando o alastramento de doença de característica epidemiológica.
O magistrado afirmou ainda que o direito individual não pode ser usado como mero capricho e, “neste sentido, parece-me de todo caprichoso, egoístico e sem qualquer sentido jurídico ou ético, o comportamento do dono de imóvel que não permita a entrada de agentes de saúde, devidamente identificados, com o único objetivo de combater a epidemia causada pelo Aedes aegypti e, neste caso, deve o direito individual ceder frente ao direito supraindividual da coletividade à saúde”. Por fim, o juiz afirmou que a conduta do Ministério Público “é muito mais que prudente: pede ao Estado-Juiz que autorize a entrada de agentes nas residências que se encontram abandonadas ou naquelas que embora habitadas, num excesso de egoísmo e irresponsabilidade, o morador proíbe a entrada do agente de saúde”.
Atuação coordenada
O pedido feito pelo MP, e agora acolhido pelo magistrado, é mais uma ação desenvolvida pelo projeto “Aedes: questão de vida ou morte”, coordenado em conjunto pela 53ª e pela 7ª Promotorias de Justiça de Goiânia, que visa possibilitar a interlocução e a criação de fluxos de trabalho entre os órgãos federais, estaduais e municipais responsáveis pelas políticas públicas de prevenção e combate ao mosquito.
Na decisão, o juiz ponderou que, como o MP-GO não englobou diretamente na ação a Secretaria de Saúde do Município, ou mesmo os agentes de saúde do Estado, caberá ao órgão viabilizar a participação dos servidores ou entidades públicas, de modo a garantir a perfeita execução da decisão. No entanto, a definição dessa participação já está sendo feita através do projeto.
Fonte: O Popular