Mudança na telecomunicação: nova lei muda foco do telefone para a internet

O presidente Jair Bolsonaro sancionou nesta quinta-feira (3) o PLC 79/2016, que altera a Lei Geral das Telecomunicações (LGT), que funcionava desde 1997. Sem vetos, a nova legislação abre caminho para concessionárias do serviço público de telefonia fixa migrarem para a modalidade privada da atividade e permite que o dinheiro que deveria ser gasto com obrigações regulatórias sejam investimentos em banda larga.

A lei cria ainda um mercado secundário para faixas de radiofrequência serem negociadas diretamente entre empresas, permite renovações automáticas de concessões e autorizações de prestação de serviço e cria a expectativa de aliviar a situação da Oi, em recuperação judicial desde 2016.
Público x privado

Os serviços de telecomunicações no Brasil são prestados em dois modelos, o regime público e privado. Estão enquadradas no primeiro grupo as concessões de telefonia fixa e, no segundo, as autorizações para oferecer telefonia fixa, celular, banda larga fixa e TV paga.

Como as regras foram criadas quando o foco era a expansão da telefonia fixa, apenas concessionárias são obrigadas a atingir metas de universalização, ou seja, tornar o serviço disponível em todo país, e cumprir obrigações regulatórias, como ter os preços regulados.

Mais de 20 anos após promulgação da LGT no país, a telefonia deixou de ser o serviço prioritário para os consumidores, que passaram a depender muito mais da internet. As regras do setor, no entanto, continuavam a demandar investimentos na telefonia. Isso vai mudar. A nova lei traz diversos gatilhos para transformar obrigações e compromissos assumidos pelas teles junto à Anatel em recursos destinados a ampliar a cobertura da banda larga no Brasil.
Concessões

Com a aprovação, as empresas que prestam serviços de interesse coletivo essenciais poderão oferecê-los em regime privado. A revogação da exigência legal de que a telefonia fixa seja prestada em regime público permite que as concessionárias possam migrar para a condição de autorizadas.

Atuando dessa forma, as teles não terão de arcar com diversas obrigações como atingir metas de universalização e fazer a manutenção de equipamentos deficitários, como os telefones públicos (orelhões). São concessionárias a Oi (quase todo o Brasil com exceção de São Paulo), a Telefônica/Vivo (São Paulo), a Sercomtel (municípios do Paraná), a CTBC/Algar Telecom (principalmente no Triângulo Mineiro) e a Claro.

Para virar a chave, porém, as empresas terão de garantir que os serviços continuarão a ser prestados, ainda que de forma adaptada, e se comprometer a fazer a manutenção em áreas com baixa competitividade – há áreas nos rincões do Brasil em que elas são as únicas a operar.
Bens reversíveis

Atualmente, as concessões são prorrogadas uma única vez por até 20 anos. O PLC muda isso e permite que os contratos sejam estendidos diversas vezes por períodos que podem chegar a até 20 anos.

A nova lei detalha que bens reversíveis, que as concessionárias devem devolver à União ao fim dos contratos, são os ativos essenciais e efetivamente empregados na prestação do serviço concedido. Essa definição afeta o modo de calcular esses bens, o que há anos é alvo de disputa no setor.

O documento estabelece ainda que o valor dos bens reversíveis, ainda que usados em serviços de telecomunicações do regime privado, será calculado com base apenas em seu uso no serviço ofertado em regime público. Ou seja, se uma infraestrutura for usada tanto para a telefonia fixa quanto para a banda larga, seu preço será mensurado apenas na proporção em que for usada para as ligações telefônicas.
Cálculo dos investimentos

Caso decidam migrar do regime público para o privado, as teles terão que destinar à expansão da banda larga investimentos equivalentes aos recursos que gastariam com a concessão e equivalentes aos bens reversíveis que teriam de devolver à União ao fim dos contratos. Ambos os cálculos serão feitos pela Anatel (Agência Nacional das Telecomunicações).

Isso é chamado de valor econômico da adaptação das concessões, e o PLC 79 estabelece dois elementos para que ele seja calculado. O primeiro é o valor estimado que as teles obterão com o serviço como autorizadas, acumulado do momento em que migrarem até o fim da concessão, que ocorreria em 2025. O segundo é o valor que a concessão geraria se o contrato fosse cumprido em regime público até o final. O valor econômico é resultado da diferença entre o primeiro item e o segundo.

Seguindo diretrizes da Anatel, o governo federal ainda definirá como o dinheiro deverá ser investido. A agência divulgou neste ano uma radiografia da situação da banda larga no Brasil, que pode ser usada para auxiliar no direcionamento dos recursos. O Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações (PERT) mostra, por exemplo, quais cidades brasileiras não dispõem de banda larga via fibra óptica ou de sinal de 4G. O Congresso ainda editará uma lei complementar para definir outras obrigações.
Mais poderes para a Anatel

O PLC 79 deu à Anatel novos poderes e obrigações. A agência terá de reavaliar de tempos em tempos se a regulamentação para setor deve ser alterada para acomodar avanços da tecnologia ou mudanças no mercado. A agência ganhou outra atribuição na hora de conceder autorização para interessadas em prestar serviços de telecomunicação. Ela passará a conferir se a companhia está em dia com o recolhimento de impostos junto à administração pública federal.
TV e rádio

Outra mudança é que emissoras de serviço de radiodifusão sonora (rádio) e de sons e imagens (televisão) não precisarão mais contribuir com o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust).
Mercado de radiofrequências

Prestadores de serviços de telecomunicações poderão transferir sua autorização para usar radiofrequências a outras empresas. Essa mudança cria, na prática, o chamado mercado secundário de espectro. Atualmente, o direito de usar faixas de espectro é obtido apenas em leilões promovidos pela Anatel.

Antes de ser liberada, a revenda terá de ser aprovada pela Anatel, que poderá criar condições para o negócio sair, como estipular limitações para promover a concorrência ou para impedir a concentração de espectro nas mãos de poucas firmas.

O direito de uso da radiofrequência vinculado às autorizações poderá ser prorrogado sucessivas vezes e por períodos de até 20 anos. No ato da extensão do contrato, a Anatel poderá propor que as empresas arquem com compromissos de investimento em vez de pagarem pelas renovações.
Flexibilização de exigências

Outra mudança é a queda de exigências para empresa que quiser virar prestadora de serviços de telecomunicações. Operadoras de celular, por exemplo, poderão receber autorizações ainda que não haja espectro disponível ou mesmo que não detenham direito para usar faixas de frequência. Uma tele pleiteando aval para funcionar não será obrigada a apresentar projeto de viabilidade técnica ou de compatibilidade com as normas para o setor.

Será possível ainda uma empresa revender o direito para usar uma faixa, mas reter concessão, permissão ou autorização de prestação do serviço vinculada à radiofrequência.
Satélite

O direito para exploração de telecomunicação satelital, de 15 anos, poderá ter seu prazo de exploração prorrogado sucessivas vezes. Para obter o direito a prestar esse serviço, as empresas não passarão mais por licitação e, sim, por um processo administrativo organizado pela Anatel. O valor recolhido em troca do direito de exploração poderá ainda ser convertido em compromissos de investimento.

Helton Simões Gomes De Tilt, em São Paulo 04/10/2019 09h09Atualizada em 04/10/2019 13h33

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