Odebrecht contou com ajuda de 11 bancos para pagar propina, dizem delatores

O esquema ilegal montado pela Odebrecht para pagamento e lavagem de propinas contou com a colaboração de pelo menos 11 instituições financeiras do Brasil e exterior. Isso é o que apontam os depoimentos de seis executivos que atuaram no chamado “setor de Operações Estruturadas” da companhia, montado justamente para operar os pagamentos irregulares em troca de facilidades para os negócios da empresa.

As delações do ex-executivos estão anexas ao processo que determinou a deflagração da 61ª fase da Operação Lava Jato, com foco no sistema financeiro.

No último dia 8, agentes da PF (Polícia Federal) cumpriram mandados de busca e apreensão no Banco Paulista, em São Paulo, uma das instituições financeiras citadas por delatores em colaborações com a Justiça. As investigações apontam para uma colaboração entre a empreiteira e o banco para “lavar” dinheiro de propina para executivos (veja mais abaixo).

Instituições financeiras citadas em delações:
. Banco Paulista, de São Paulo
. TrendBank, de São Paulo
. Banif, de Portugal
. Pictet, da Suíça
. PKB, da Suíça
. Bank Winter, da Áustria
. Meinl Bank, da Áustria
. Fim Bank, de Malta
. Credicorp, do Panamá
. AOB, de Antígua
. Meinl Bank Antigua, de Antígua

Delatores controlaram banco no Caribe
De acordo com o relato dos delatores, as relações entre o esquema de pagamento de propinas da Odebrecht e bancos vêm desde 2006.

Naquela época, a Odebrecht já mantinha contas em nome de empresas offshore, abertas em paraísos fiscais, no banco AOB (Antigua Overseas Bank), em Antígua.

Essas contas, utilizadas para distribuição e lavagem de propinas, eram administradas por Vinicius Borin, Marco Bilinski e Luiz França, que trabalhavam no AOB.

Em 2010, o AOB entrou em crise. Borin, Bilinski e França procuraram Fernando Migliaccio, Luiz Eduardo Soares, Olívio Rodrigues Júnior, ligados ao setor de propinas da Odebrecht.

Os seis entraram num acordo e compraram em sociedade 51% das ações do banco Meinl Bank Antigua, subsidiária do Meinl Bank da Áustria.

Com isso, as contas no AOB foram transferidas para o Meinl Bank Antigua. O banco, controlado pelos integrantes do “setor de Operações Estruturadas” da Odebrecht, virou um novo entreposto para os pagamentos ilegais da companhia.

Banco Paulista ajudou na lavagem do dinheiro
Após comprarem o Meinl Bank Antigua, os seis executivos passaram a ganhar comissões pelas operações realizadas pela Odebrecht no banco. Parte dessas comissões era paga aos executivos em dinheiro vivo, no Brasil, por doleiros.

Esse dinheiro tinha fonte ilegal. Por isso, não podia ser declarado. Os executivos, então, montaram um esquema de lavagem de dinheiro com o Banco Paulista, de acordo com seus próprios depoimentos e as investigações da Lava Jato.

Eles entregavam o dinheiro vivo ao banco. O banco fechava contratos falsos com empresas de fachada abertas pelos executivos. O banco, então, devolvia esses recursos como se eles fossem pagamentos feitos por serviços prestados por essas empresas.

Procurado pelo UOL, o Banco Paulista disse que “vem contribuindo com as autoridades após sua área de câmbio ter sido surpreendida por busca e apreensão no dia 8 de maio”. O banco informou também que “repudia quaisquer atos de ilegalidade.”

Trendbank acessava sistema de propinas
Além do Banco Paulista, outra instituição financeira brasileira citada por delatores como integrante do esquema de propina é o TrendBank. Ele é citado por diferentes delatores, cumprindo diferentes funções dentro do esquema montado pela Odebrecht.

Olívio Rodrigues Júnior declarou em depoimento que doleiros ligados ao dono Trendbank, Adolpho Mello Neto, ajudaram a Odebrecht a realizar pagamentos de propina no Brasil.

Luiz Eduardo Soares revelou que o TrendBank tinha uma offshore que foi usada pela Odebrecht para o envio de recursos ao exterior.

Já Fernando Migliaccio declarou que uma funcionária do TrendBank tinha acesso ao sistema Drousys, criado pela Odebrecht justamente para administrar o pagamento de propinas. “Uma mulher chamada ‘RO’, que trabalhava dentro do TrendBank, a qual estava no Drousys sob o codinome Maravilha”, disse ele.

O UOL não conseguiu contato com TrendBank. A advogada Paula Indalecio, que representa Adolpho Mello Neto, dono da instituição financeira, informou que ele “já foi ouvido e já esclareceu completamente ao juízo que não participou de qualquer irregularidade”. Adolpho foi denunciado pela Lava Jato por lavagem de dinheiro. Ainda não foi julgado.

Contas em diferentes países da Europa
Migliaccio relatou ainda em seus depoimentos que a Odebrecht manteve diversas contas em nome de empresas offshore em bancos na Europa.

Segundo ele, todas as instituições com que a empresa se relacionou sabiam que as contas em nome dessas empresas eram, na verdade, da construtora. “Os bancos sabiam que os recursos utilizados nas contas abertas em nome das offshores eram, na realidade, recursos da Odebrecht”, declarou o executivo.

Segundo ele, os bancos estrangeiros aceitavam manter os recursos de origem ilegal sob sua guarda por conta de seu relacionamento com a Odebrecht e também por receberem sobre as taxas cobradas por operações.

No Banif, em Portugal, por exemplo, a Odebrecht mantinha dez contas. Os gerentes das contas tinham acesso ao sistema Drousys. Eles pediam à Odebrecht que mantivesse aplicações financeiras no banco em troca dos serviços que o Banif prestava à construtora.

Na Suíça, a Odebrecht teve contas nos bancos Pitcet e PKB. No PKB, as contas eram administradas por Heitor Duarte, brasileiro. Duarte chegou a dividir com Olívio Rodrigues e Luiz Eduardo Soares comissões que ele ganhava por operações, segundo Migliaccio.

Já na Áustria, as contas eram no Bank Winter e no Meinl Bank. Migliaccio declarou à Justiça que os contatos do “setor de Operações Estruturadas” no Bank Winter davam-se diretamente com o dono do banco, Thomas Moskovitch.

Pressão contra investigação no Panamá
O ex-executivo da Odebrecht relatou também que a companhia agiu para tentar brecar a colaboração de autoridades do Panamá com as investigações da Lava Jato. Segundo ele, Luiz Eduardo Soares foi ao menos três vezes ao país em 2014 para tentar evitar que o Panamá enviasse ao Brasil informações solicitadas por investigadores.

O “setor de Operações Estruturadas” da Odebrecht manteve contas no banco panamenho Credicorp. O gerente da conta tinha acesso ao sistema Drousys. Migliaccio declarou não saber se o Credicorp prestou todas as informações solicitadas por investigadores.

Colaboração e omissão de bancos podem ser crime
Segundo o consultor de compliance Aphonso Mehl Rocha, os relatos de delatores da Odebrecht indicam que os bancos citados podem ter cometidos crimes.

“As leis contra lavagem de dinheiro seguem um padrão internacional”, explicou o consultor, que já trabalhou em bancos como HSBC, Bradesco e BNP Paribas. “Se o banco não informa autoridades de atividades suspeitas de seu cliente, já pode ser responsabilizado. Se colabora com ela, pior ainda.”

Rocha explicou que a possível punição desses bancos cabe a autoridades locais. Suspeitas envolvendo instituições financeiras brasileiras podem ser apuradas pela Operação Lava Jato, por exemplo. Já casos envolvendo práticas de bancos estrangeiros dependem de investigações dos países nos quais o crime ocorreu.

O que dizem os bancos
O banco PKB, da Suíça, informou que seu caso já foi analisado pela autoridade suíça de supervisão do mercado financeiro, a Finma. A entidade ordenou no ano passado que o PKB devolvesse cerca de R$ 5,2 milhões por lucro obtido irregularmente com negócios com a Odebrecht.

O PKB declarou que foi “abusado por um mau funcionário”.

Heitor Duarte, ex-gerente do banco PKB citado em delações, foi demitido. O blog do Jamil Chade já informou que Duarte responde a um processo na Suíça por ter recebido cerca de R$ 10,5 milhões da Odebrecht para administrar as contas ligadas à empresa. Ele alega que o valor foi pago por “agradecimentos por serviços prestados”.

O Ministério Público da Suíça investiga o envolvimento de 42 bancos do país em transações apuradas na Lava Jato.

Os bancos AOB e Banif foram fechados. O UOL não conseguiu contato com as instituições.

Os bancos Pictet, Bank Winter, Meinl Bank, Meinl Bank Antigua, Fim Bank e Credicorp foram contatados via email pela reportagem e não responderam até a publicação desta reportagem.

A Odebrecht informou em nota que “tem colaborado de forma eficaz com as autoridades em busca do pleno esclarecimento dos fatos narrados pela empresa e seus ex-executivos”. A empresa também declarou que “segue comprometida com uma atuação ética, íntegra e transparente”.

Vinicius Konchinski

Colaboração para o UOL, em Curitiba

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