O projeto de Lei 6.299, de 2002, agregou outras 28 propostas que já tramitavam no Congresso. Ele é defendido pelo setor ligado ao agronegócio na Câmara como uma modernização das normas estabelecidas até hoje. Os favoráveis dizem que o processo para avaliação e liberação dos agrotóxicos é muito caro e demorado.
Atualmente, é necessário o aval de diferentes órgãos para que um novo produto seja aprovado, entre eles a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Saúde e o Ministério da Agricultura.
Do lado contrário ao projeto de lei estão ONGs da área do meio ambiente, a Anvisa, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador (Ministério da Saúde), o Instituto Nacional do Câncer (Inca) e o Ibama, entre outras instituições. Eles apresentam estudos científicos e argumentam que as mudanças podem trazer riscos à saúde e ao meio ambiente.
No Brasil, as questões ligadas aos agrotóxicos são consolidadas pela Lei nº 7.802, de 1989, que fala de pesquisa, rotulagem, armazenamento, importação, exportação, e registro – quase todos os processos relacionados ao uso, liberação e fiscalização dos pesticidas no país.
A comissão para discutir as mudanças foi criada em 2016 pela presidência da Câmara. Na época, a presidente eleita para a comissão especial foi a deputada Tereza Cristina (DEM). Ela designou como relator o deputado Luiz Nishimori (PR), que deu parecer favorável ao projeto de lei.
A Comissão estabeleceu um cronograma de trabalhos e escolheu especialistas para debater 18 eixos. Antes de dar seu parecer favorável, Nishimori escreveu mais de uma dezena de considerações, como as dificuldades de produção em regiões tropicais, “avaliação atrasada” em relação ao cenário internacional, critérios de risco e, assim como os defensores da lei, um sistema de registro de pesticidas “extremamente burocrático”. Segundo o relatório, um novo produto leva de 6 a 8 anos para aprovação.
O que está previsto na proposta
Veja abaixo o que está no projeto de lei:
- Passa a usar os termos “defensivos agrícolas” e “produtos fitossanitários” no lugar de “agrotóxico”.
- As análises para novos produtos e autorização de registros passam a ficar coordenadas pelo Ministério da Agricultura.
- O Ministério da Agricultura também irá “definir e estabelecer prioridades de análise dos pleitos de registros de produtos fitossanitários para os órgãos de saúde e meio ambiente”.
- É criado um registro e autorização temporários para produtos que já sejam registrados em outros três países que sejam membros da Organização para Coorperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e adotem o código da FAO. O prazo será de 1 ano de análise e, então, o registro será liberado temporariamente.
- A análise de risco é obrigatória para a concessão de registro e deverá ser apresentada pela empresa que solicita a liberação do produto. Produtos com “risco aceitável” passam a ser permitidos e apenas produtos com “risco inaceitável” podem ser barrados.
- Os Estados e o Distrito Federal não poderão restringir a distribuição, comercialização e uso de produtos autorizados pela União.
- Facilita a burocracia para a liberação de agrotóxicos idênticos e similares a outros já registrados.
Constitucionalidade questionada
O deputado Luiz Nishimori escreveu em seu relatório que considerou as mudanças constitucionais. O Ministério Público Federal (MPF) discorda e, em nota técnica, disse que pelo menos seis artigos da Constituição Federal serão violados caso o projeto seja aprovado.
“No entendimento da 4ª Câmara, o texto de autoria do atual ministro da agricultura, Blairo Maggi, flexibiliza o controle sobre os produtos em detrimento da saúde e do meio ambiente”, disse a Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF (4CCR).
De acordo com o MPF, a atual legislação veda a aprovação de substâncias com características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, ou que provoquem distúrbios hormonais e danos ao sistema reprodutivo.
O projeto de lei, segundo o órgão, permite que elas sejam registradas já que é estabelecida a análise de risco – somente os produtos com “risco inaceitável” poderiam ser barrados.
“Fica proibido o registro de agrotóxicos, seus componentes e afins que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, de acordo com os resultados atualizados de experiências da comunidade científica”, diz o texto da lei de 1989.
Silvia Fagnani, diretora-executiva do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), se diz defensora da “modernização da lei atual”.
Segundo ela, países próximos, como a Argentina, fazem a avaliação de risco. “Há cálculos que são feitos. Eles pegam uma população de cobaias e fazem um teste para saber em que dosagem aquela população começa a desenvolver qualquer mutação. Essa dosagem é dividida por 1 mil. E essa é a dosagem máxima”, disse.
Mas e o risco aceitável? Algumas entidades, como o Inca e a Fiocruz, acreditam que não devemos tolerar qualquer tipo de risco a doenças e mutações.
No texto em que o relator expõe as pessoas chamadas para debater sobre o projeto não há menção de convite a especialistas do Inca. Assim como o MPF, o órgão ligado ao Ministério da Saúde publicou uma nota pública com 22 estudos científicos de referência declarando contrariedade ao projeto de lei.
O Inca argumenta que a atual legislação considera que a “identificação do perigo” já é suficiente para barrar o uso dos produtos. Segundo o órgão de saúde, a nova medida leva em consideração os “riscos” e não o “perigo”.
“O risco é a probabilidade de ocorrência de um efeito tóxico para a saúde humana e o meio ambiente e a ‘análise de riscos’ proposta é um processo constituído de três etapas que fixa um limite permitido de exposição aos agrotóxicos, que desconsidera as seguintes questões: a periculosidade intrínseca dos agrotóxicos, o fato de não existir limites seguros de exposição a substâncias mutagênicas e carcinogênicas”, diz o texto do Inca.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) também divulgou uma nota técnica com 25 páginas. Nas primeiras páginas, a organização critica a tentativa de substituir o termo agrotóxico por “produtos fitossanitários” e argumenta que o pedido tenta ocultar o fato de que os “produtos são, em sua essência, tóxicos”.
Segundo a Fiocruz, o texto desconsidera que a Anvisa já realiza a análise e avaliação de risco. “Como o próprio PL aponta, a primeira das quatro etapas de avaliação de risco é constituída pela identificação do perigo”. Em resumo: caso haja chance de uma pessoa contrair câncer ou qualquer outro problema em decorrência da exposição/ingestão ao produto, na atual legislação, ele é barrado pela agência sanitária.
“Entretanto, a análise de risco nos moldes preconizados pelo PL irá permitir o registro de produtos hoje proibidos no Brasil em função do perigo que representam, sempre que o risco for considerado ‘aceitável'” – Fiocruz
Aprovação pelo Ministério da Agricultura
O Ibama também publicou uma nota técnica em que declara posicionamento contrário à lei. O órgão diz que a lei muda as competências institucionais estabelecidas hoje, dando apenas ao Ministério da Agricultura poder de decisão quanto aos registros. Segundo o Ibama, a proposta “substitui a incumbência dos órgãos federais de avaliação dos estudos referentes aos produtos submetidos a registro, pela homologação de parecer técnicos”.
Na prática, o Ministério da Agricultura aprova e os outros órgãos e pastas fazem avaliações. Sobre o registro temporário estabelecido na nova lei, o Ibama diz que a situação do status do produto em outros países tem importância, mas isso não pode ser determinate já que a adoção das medidas não extrapolam as condições ambientais do Brasil.
Silvia Fagnani, do Sindiveg, apesar de ser favorável à modernização do projeto de lei de 1989, diz que este ponto é um dos que “poderia melhorar” na proposta de Blairo Maggi.
“Principalmente a questão da Anvisa e do Ibama no processo regulatório. A lei atual não dá nenhuma competência para a Anvisa e pro Ibama, e o novo projeto traz eles para o processo. A gente acha que devemos dar mais autonomia para a Anvisa e pro Ibama participarem do registro”, disse.
Márcio Astrini, coordenador de políticas públicas do Greenpeace, faz parte da comissão especial criada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que é de organizações contrárias ao novo projeto de lei.
“A gente faz parte do time de resistência”, disse.
De acordo com Astrini, a Anvisa, Ibama e o Ministério da Saúde “não tem mais poder de veto, agora são facultativos”.
“Eles dizem que não estão retirando esses órgãos do processo, mas estão tirando eles do poder de decisão”, explicou.
Sobre a liberação temporária para alguns produtos após um ano, o coordenador do Greenpeace diz hoje os produtos podem demorar de 3 a 8 anos para análise.
“Os países mais desenvolvidos do mundo demoram dois anos.”, disse. Astrini se diz contrário à liberação temporária em um prazo mais curto, outra mudança prevista na lei.
“Se em oito meses não terminar o processo de análise e a empresa consegue o registro. Os estudos continuam e podemos descobrir que um agrotóxico causa deformação fetal. Hoje, tem produtos que demoram três, seis anos para serem estudados. Você terá 5 anos de uso arriscado, onde quem comeu já comer e pode ter algum problema de saúde”, explicou.
Mário Von Zuben, diretor-executivo da Associação Nacional de Defesa Vegetal (ANDEF), defende o projeto. “Na prática, o produtor vive uma situação onde que as novas tecnologias para chegarem ao usuário final, que é o produtor, vão demorar 8 anos”.
“Se a gente comparar com outros países, isso vai demorar de 2 a 3 anos. Na prática, o agricultor está concorrendo com outros produtores globais em condições de desvantagem”, explicou Zuben.
Fonte: G1