Um soldado lotado no Comando de Operações Especiais (COpEsp), unidade do Exército Brasileiro com sede em Goiânia, revelou ao g1, com exclusividade, uma rotina de agressões físicas, pressão psicológica e até tentativas de suicídio de jovens dentro do quartel. A denúncia vem logo após a morte de Khaleby Ribeiro Alves dos Santos, o soldado de 19 anos que se afogou durante um treinamento aquático no Comando no início desta semana.
“A gente fica com medo. A gente tem medo do que pode acontecer”, desabafou.
O g1 entrou em contato por e-mail com o Exército Brasileiro e com o Comando Militar do Planalto (CMP) de Brasília, ao qual o COpEsp é subordinado. Em nota, o CMP informou que, diante das denúncias, vai determinar a abertura de procedimento investigativo. Veja na íntegra ao final da matéria.
Há seis meses em um dos vários agrupamentos – cada um comporta de 40 a 50 jovens – do COpEsp, o soldado de 18 anos revela que chegou à unidade sem ter ideia do que o esperava. “No começo, a gente nem imaginava que era assim. Com o passar do tempo, a gente foi aprendendo como eram as coisas”.
Segundo o militar, os jovens que chegam precisam passar por um treinamento de cerca de um mês de duração para então ingressarem no curso de práticas militares, que dura três meses.
Porém, é nesse treinamento e também no curso, conforme o rapaz, que alguns militares são submetidos a humilhações e agressões que os fazem beirar o colapso. Ele conta que as agressões “variam de acordo com o batalhão”.
“Teve um dia que tinha sido muito cansativo. Eu estava muito cansado e não estava aguentando mais. Um instrutor deu uns quatro tapas na cara e um soco na costela […]. Quase todos os dias a gente levava soco na costela, tapa no rosto”, narra.
O soldado destaca que as agressões partem principalmente dos instrutores, que são os responsáveis pelos agrupamentos. Ele diz ter presenciado uma vez em que um instrutor se aproximou de um grupo e, sem motivo aparente, “começou a dar porrada em todo mundo”.
O fato de ficar com machucados aparentes ou lesionado durante o treinamento, de acordo com o militar, também é motivo de “pagação”, termo usado entre eles para se referir às punições sofridas. “O comandante falava que ninguém podia se machucar, senão a gente ia pagar por isso, que ia ter punições severas por conta disso”, afirma.
“Pau de fogo”
Um dos treinamentos mais temidos entre os jovens militares é o aquático com o uso do que eles chamam de “pau de fogo”. Segundo o soldado, trata-se de uma arma pesada e que não funciona mais, e que os militares precisam colocar nas costas enquanto fazem o treinamento dentro do tanque aquático.
O treinamento pode durar até três horas. O problema maior além do peso, segundo o soldado, são os “tubarões”, que nada mais são do que instrutores que puxam os militares para o fundo da água.
“A gente luta pra conseguir voltar [do fundo do tanque]. Teve umas vezes que eu estava nadando no treinamento, e me puxaram pra baixo”, lembra. O rapaz disse ainda ter saído da água se sentindo mal a ponto de quase desmaiar.
O jovem revelou ter conhecimento de um soldado da unidade que foi internado com pneumonia recentemente. Ele acredita que o tanque aquático pode agravado sua situação. “Tem uns com pneumonia que entram na água. [A piscina] é suja”, diz.
Soldado que morreu estava com a perna machucada, diz jovem
Devido à pressão psicológica sofrida na unidade, o rapaz revela que alguns militares entram em colapso e, às vezes, tentam tirar a própria vida dentro do Comando.
Ele enfatiza o caso de um rapaz, também de 18 anos, que teria acontecido há apenas três semanas.
“Um soldado que treinava junto com a gente tentou se matar. O sargento encontrou ele na corda, todo roxo […]. Ele tinha falado pra mim que não estava aguentando a pressão”, disse. Felizmente, o rapaz sobreviveu.
Outro que contou ao soldado que não estava bem foi justamente Khaleby Ribeiro, que morreu na última segunda-feira (19). Segundo o jovem, Khaleby relatou que se sentia mal psicologicamente e que estava com a perna machucada, mas que não pretendia contar nada aos instrutores por medo de represálias.
De acordo com o soldado, o desabafo de Khaleby aconteceu poucos dias antes de sua morte no tanque de água.
Em nota enviada ao g1 sobre a morte do rapaz, o Exército Brasileiro lamentou e informou ter instaurado um inquérito militar para apurar os fatos. “Os integrantes do COpEsp sentem-se consternados pela perda e rogam a Deus pelo conforto da família”.
“Boca fechada”
João conta que, sempre que vai pra casa, fica abalado ao ver a preocupação fundamentada da mãe. No entanto, segundo ele, não existe entre os militares a possibilidade de falar publicamente sobre o que acontece.
“Um subcomandante falou pra gente ficar de boca fechada sobre o que acontece no quartel. Se alguém souber, a pessoa é punida”, conclui.
Veja a nota enviada pelo CMP ao g1:
“Resposta do CMP
O Comando Militar do Planalto (CMP) informa que, diante das denúncias citadas em reportagens veiculadas recentemente sobre supostos maus-tratos sofridos por militares do Comando de Operações Especiais (COpEsp), determinará a abertura de procedimento investigativo para apurar os fatos e, se houver indícios de irregularidades, os responsáveis serão punidos de acordo com a lei.
Este Comando reforça seu compromisso com o respeito aos direitos humanos e à dignidade das pessoas em todas as nossas atividades, e reitera que não tolera qualquer tipo de violência ou abuso em suas tropas.”
Além do Exército Brasileiro, o g1 também entrou em contato com o Ministério dos Direitos Humanos sobre a situação relatada, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.”
Fonte:G1