Ele venceu o crack: meu pai dormiu oito meses no sofá com medo de eu fugir

“A droga mata, mas esse não é o maior problema. Antes, ela te humilha, você e toda a sua família”. A frase é de alguém que já esteve no buraco, em um lugar que não quer “voltar nunca mais, porque dói”, onde (quase) perdeu tudo e só pode falar do passado graças às mãos que se estenderam há exatos cinco anos, um mês e 13 dias. “Meu nome é Renan Machado, tenho 31 anos, sou um dependente químico em recuperação. Graças à minha família e força de vontade, duas internações domiciliares e grupos de apoio, estou limpo e renovei meu voto de ficar mais 24 horas sem usar”, se apresentou.

Se é para sempre? Renan não pode responder, “a dependência química é para o resto da vida”, diz ele, mas o ex-usuário de drogas – e hoje palestrante e ativista do combate às drogas -não trocaria o “pior dia limpo pelo melhor dia em uso”. Ele é rigoroso com a doença, enquadrada no CID 10 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – e não “safadeza” como ignorantes podem julgar. “Ela não brinca comigo, não brinco com ela”, disse em tom profundo de quem foi refém do vício em, entre outras substâncias, a pior, o crack. Não era um plano, não foi de repente, mas a luta será eterna

“Quando eu estava ali fumando maconha, se alguém chegasse para falar de crack, eu falava: ‘nunca, não é para mim, eu só fumo um”.

Renan acendeu o primeiro baseado aos 13 anos, idade marcante, pois foi quando começou a fumar cigarro e a consumir bebidas alcoólicas de forma mais “pesada”. Na época, ele se lembra de ouvir que “maconha era a porta de entrada para o mundo das drogas”, afirmação que hoje diz com confiança não ser verdadeira. “As experimentações de outros tipos de drogas acontecem sob o efeito de álcool”, afirmou com base nos vários relatos de dependentes químicos que fazem parte de seu dia-a-dia e em sua própria experiência: foi a bebida que o levou da erva ao pó, do pó à pedra e da recuperação ao buraco. É a pior droga e a mais banalizada, na opinião dele.

Por outro lado, 95% das pessoas internadas em clínicas de reabilitação por uso de crack, já fumaram maconha, disse. E nenhuma delas gostaria de ter vivido o que viveu. Naquela tarde de surf que Renan ficou sem jeito de falar “não” para a rapaziada, mal imaginava o que aconteceria nos anos seguintes. “Por que eu fumei? Porque tive acesso”, contou ele que na época era até meio perdido sobre o que era um baseado. O “não pega nada” entrou rápido na rotina de Renan e fumar um passou a hobby favorito.

“Vamos jogar bola? Vamos, mas vamos fumar um antes. Se eu não arrumasse maconha, não viajava. Fazer o que na praia sem droga?”

Renan fez o que chama de “amigos de droga”, a rapaziada que se junta para queimar um. Ele não tinha contato na biqueira e o jeito era ficar perto desses camaradas que faziam o leva e traz. Mas não demorou a ficar difícil depender de outras pessoas para conseguir um baseado. “Aí eu pedi, ‘me leva lá’, ‘me apresenta’. Comecei a comprar a minha própria droga”, contou. O grupo de “amigos de droga” cresceu e quando Renan estava com 16 anos, um deles ofereceu o primeiro “tiro”. “Estava bêbado em uma balada e eles tinham um papelote de cocaína. ‘Vamos? ’ ‘Bora! ’”, já sem qualquer “moderação” por conta do efeito do álcool. A progressão da dependência química acelerou.

Da cocaína, vieram ecstasy, LSD, chá de cogumelo, chá de lírio, mesclado, lança-perfume, cola, thinner, esmalte e o crack, listou Renan. “Não posso afirmar que todo mundo que fumar maconha vai chegar ao crack, acabar com a vida, chegar cagado e mijado em casa com risco de matar pai e mãe para comprar droga. Mas quando o ‘eu preciso’ fica mais forte, sai da frente”, lembrou-se de quando as coisas saíram do controle.  Apartamento e restaurante com ação de despejo, a esposa que não se relacionava mais, os choros de desespero no quarto da empregada, nada impedia a fissura de colocar Renan no carro na madrugada para buscar mais pedras.

“Passei por humilhações morais, cenas muito tristes, de pegar a droga e não segurar o organismo”.

Um dia ele juntou forças para dividir o problema com alguém, a esposa. “Ela me deu a melhor ajuda naquele momento, fez as malas e levou o nosso filho”, contou. Mas Renan não estava sozinho: a mãe, o pai e as três irmãs se uniram para monitorar 24 horas uma internação domiciliar. “Meu pai dormiu no sofá perto da porta por oito meses com medo de eu fugir no meio da noite”, lembrou com gratidão. Renan melhorou, estava se sentindo forte e começou a trabalhar em uma imobiliária, tudo estava bem, ele pensava. Renan pode ir a comemorações da empresa, voltou a sair sozinho de casa e até a beber “com moderação”.

As coisas estavam indo tão bem que os pais de Renan decidiram viajar no final do ano, e ele ficou para cumprir com os compromissos do trabalho. Mas se a dependência química pode ser tratada em 60 dias, a psicológica não tem cura, precisa de manutenção constante. Eles não sabiam. Na cabeça de Renan se repetia: “foi o crack que me jogou na sarjeta, posso tomar uma cervejinha”. Ele tomou uma, duas, três, até perder as contas, em um bar em frente de onde morava, e continua a viver. Foi quando um dos “amigos de droga” chegou e fez o convite para fumar três pedras de crack. “Pum!”. Renan teve uma recaída.

 Naquele momento, Renan não tinha estado emocional para se importar com os sentimentos da família. Ele estava doente, estava tendo uma crise da doença. Mas, mais uma vez, a família se uniu para a segunda internação domiciliar. Dessa vez, Renan se armou de tudo o que podia para lutar contra a dependência: palestras, grupos de apoio, psicólogos e estudo. “Descobri que eu tinha uma doença, que não era sem-vergonhice, comecei a estudar, surgiu a oportunidade de dar palestras e a coordenar o grupo de apoio Amor Exigente, que atende dependentes e familiares no Brasil todo.

“Ver meu filho chorar sem parar e dizer: ‘estou chorando de felicidade porque você está comigo de novo’, não tem nada que pague isso”.

As recompensas da recuperação são inúmeras e é por saber o quão obscuro o mundo do crack é que Renan se apega cada vez mais ao combate às drogas. A única arma, segundo ele, é a informação técnica sobre as substâncias e como elas agem no organismo, projeto que começa com crianças a partir dos 11 anos de idade. “Você aprende português e matemática na escola, a ter educação, em casa, e o que é droga, nas ruas”, disse. Renan atacou a crença de que experimentar uma droga é opção: “é uma escolha justa se eu não sei aonde esse caminho vai me levar? Posso dizer que eu não sabia. Foi uma escolha justa para mim?”, questionou.

Fonte: Uol

 

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